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Eurípides

Εὐριπίδης Euripides Tragicus E. ou Eur. -485 / -406

As tragédias do poeta ateniense Eurípides (Brasil) — ou Eurípedes (Portugal) — são as que mais se aproximam do gosto moderno.

Sumário

Eurípides é o terceiro e mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia ática.

O poeta não foi muito apreciado pelos seus contemporâneos, mas a posteridade lhe fez justiça. Graças às numerosas cópias efetuadas desde a Antiguidade, um número maior de suas obras chegou até nós: enquanto temos apenas sete tragédias completas de Ésquilo e sete de Sófocles, de Eurípides temos dezessete tragédias e um drama satírico. Das demais restam somente fragmentos e alguns comentários de outros autores da Antiguidade.

Durante o século -IV, o Período Helenístico e o Período Greco-romano, as tragédias de Eurípides eram as mais representadas em toda parte. Em nossos dias, é ele o mais popular dos poetas trágicos gregos.

Biografia

Se desconsiderarmos inúmeras lendas e anedotas, sabe-se efetivamente pouca coisa a respeito da vida de Eurípides[1].

miniaturaEurípides e suas
obras

O pai se chamava Mnesárquides, sua família era abastada e viveu a maior parte de sua vida em Atenas. Nasceu por volta de -485, no demo dos Flieus, da tribo Cecrópida, e morreu em -406, certamente na própria Atenas. O relato tradicional de que ele teria se tranferido para Pela, capital da Macedônia, pouco depois de -408 e morrido lá, é controvertido e, provavelmente, apenas uma invenção dos biógrafos antigos para explicar detalhes de suas últimas obras[2].

Sua primeira tragédia, Pelíades, foi apresentada mais ou menos em -455 e, nos cinquenta anos seguintes, compôs pouco mais de noventa peças, das quais conhecemos integralmente apenas dezessete tragédias e um drama satírico. Recebeu o primeiro prêmio nos concursos trágicos de Atenas apenas cinco vezes, o último deles postumamente.

Consta que também compôs elegias e poemas líricos, dos quais restam apenas fragmentos insignificantes.

Duas ou três Vidas anônimas, conservadas em vários mmss.; Vida de Eurípides, de Sátiro (P.Oxy 1176); Suda s.v. Εὐριπίδης; FGrH 239 (Marmor Parium); Harpocrácio s.v. Φλυέα.

Obras sobreviventes

Dezessete tragédias completas chegaram até nós, dentre as quais somente oito têm data certa; das outras, temos somente conjeturas mais ou menos prováveis. Dispomos de fragmentos significativos de diversas outras tragédias, que permitiram ao menos a reconstituição parcial de muitas delas, notadamente do Erecteu, do Télefo, do Faetonte e da Hípsile.

Apenas um drama satírico, O Ciclope, sobreviveu; sua data é incerta, provavelmente -408[3]. Dos outros, restam apenas fragmentos e testemunhos esparsos.

Temos também dois trechos musicais, um da tragédia Orestes e outro da Ifigênia em Áulis. Como os poetas eram responsáveis também pela música apresentada durante as tragédias, naturalmente podemos imaginar que a melodia desses fragmentos foi criada por Eurípides; é mais provável, no entanto, que essas músicas sejam criações tardias, preparadas por ocasião de uma das numerosas reapresentações de dramas euripidianos do século -IV em diante[4].

No Portal, há sinopses de todos os dramas completos e dos dramas fragmentários mais importantes. A lista contém as datas prováveis da primeira representação, na ordem seguida pelas edições padrão:

A autoria da tragédia Reso, preservada nos manuscritos euripidianos juntamente com as demais obras, é contestada desde a Antiguidade. Embora tradicionalmente atribuída a Eurípides, trata-se provavelmente da obra de um poeta trágico anônimo do século -IV[5].

Características gerais da obra

O valor de Eurípides foi reconhecido por Aristóteles, que dizia ser ele τραγικώτατός γε τῶν ποιητῶν, ‘certamente, o mais trágico dos poetas’[6].

Em suas tragédias os mitos já conhecidos eram sempre apresentados sob aspectos novos e instigantes. Seus enredos, em geral pessimistas, eram bem mais complexos que os de Ésquilo e os de Sófocles: intensos conflitos humanos, suspense, referência a assuntos contemporâneos, elementos de retórica e, nas peças mais tardias, até mesmo algum humor.

Os personagens de Eurípides se comportavam como seres humanos normais em conflito, apesar da estatura heroica, e habitualmente os deuses interviam somente no prólogo (e.g. Hipólito) ou no final, como deuses ex machina (e.g. Orestes e Ifigênia em Táuris), para solucionar impasses e situações problemáticas do enredo.

Os prólogos de Eurípides tinham sempre natureza didática e habitualmente se prestavam a situar a plateia na história a ser apresentada. Diálogos vívidos, linguagem coloquial, discussões que frequentemente envolviam técnicas sofísticas, cantos corais curtos e de grande beleza lírica são outras características marcantes de sua obra.

Manuscritos e papiros

Os manuscritos euripidianos podem ser reunidos em dois grupos ou famílias. A primeira família contém uma seleção de nove tragédias ricas em escólios[7], reunida entre os séculos II e VI: Hécuba, Orestes, Fenícias, Hipólito, Medeia, Alceste, Andrômaca, Troianas e Bacantes. A segunda família remonta possivelmente a um protótipo do século VI e contém, além dos dramas da primeira família, dez dramas em ordem mais ou menos alfabética com pouquíssimos escólios: Helena, Electra, Heráclidas, Héracles, Suplicantes, Ifigênia em Táuris, Ifigênia em Áulis, Íon e Troianas. Esse grupo de dez é, muitas vezes, mencionado como o dos “dramas alfabéticos”. Há muitas cópias.

miniaturafolio de um ms. da
primeira família

Os principais mmss. da primeira família são o Marcianus 471 (Biblioteca de São Marcos, Veneza, sæc. XII), o Parisinus 2713 (Biblioteca Nacional, Paris, sæc. XII), o Parisinus 2712 (idem, sæc. XIII) e o Vaticanus 909 (Biblioteca do Vaticano, sæc. XIII). O Laurentianus gr. 31.10 (Biblioteca Laurenciana, Florença, c. 1175) é importante para algumas tragédias.

A segunda família é representada notadamente pelo Laurentianus pl. 32.2 (1300/1320), que pertenceu ao erudito bizantino Demetrius Triclinius (fl. sæc. XIV) e pelo Palatinus gr. 287 (Biblioteca do Vaticano) + Laurentianus conv. soppr. 172 (Biblioteca Laurenciana), do século XIV.

Os mmss. são frequentemente mencionados através de siglas padronizadas:

A Parisinus gr. 2712 B Parisinus gr. 2713 L Laurentianus pl. 32.2 M Marcianus 471 O Laurentianus gr. 31.10 P Palatinus gr. 287 + Laurentianus conv. soppr. 172 V Vaticanus gr. 909

Diversos fragmentos de papiros antigos, descobertos notadamente no Egito, também contribuíram para a edição de diversas obras euripidianas. Três deles, em particular, trazem os fragmentos musicais sobreviventes (ver Trechos musicais supra).

Edições e traduções

A editio princeps de Medeia, Hipólito, Alceste e Andrômaca é a de Lorenzo di Alopa, preparada por Janus Lascaris (1445/1535) e publicada em Florença c. 1494. Todas as outras peças, exceto a Electra, foram editadas pela primeira vez por Ioannes Gregoropoulos (fl. 1493/1503) em 1503 para a edição Aldina, publicada em Veneza. Electra foi editada por Pier Vettori (1499/1585) em 1545 e publicada em Roma.

Em 1541, todas as tragédias (menos a Electra), foram traduzidas para o latim por Rudolf Collin (Collinus) e publicadas por Robert Winter em Basileia; uma tradução latina de Electra saiu em 1546. As versões latinas foram, em certa medida, ponto de partida para as traduções de Eurípides em línguas modernas. A primeira edição com texto grego lado a lado com outra língua (o latim) é a de Caspar Stiblinus (Basileia, 1562).

há edições e traduções de obras isoladas

Temos três boas edições modernas de todas as obras de Eurípides: a de James Diggle (1981/1994) e a de David Kovacs (1994/2002), para as peças completas e o Reso, e a de Richard Kannicht (2004) para os fragmentos.

Todas as tragédias completas de Eurípides e o drama satírico Ciclope foram já traduzidos para o português de forma isolada. O professor Jaa Torrano, da USP, preparou a tradução de todos os dramas completos, em três volumes, publicados em edição digital (ebook) em 2015-2018; edição revista e impressa está sendo publicada em vários volumes pela Editora 34.

Algumas tragédias e dramas satíricos fragmentários também foram traduzidos e publicados recentemente; a professora Maria de Fátima Silva, da Universidade de Coimbra, publicou em 2023 o primeiro volume da coletânea de dramas fragmentários conhecidos.