Eurípides / Ifigênia em Áulis

Ἰφιγένεια ἡ ἐν Αὐλίδι Iphigenia Aulidensis E. IA -405
O sacrifício de IfigêniaO sacrifício de Ifigênia

A Ifigênia em Áulis (gr. Ἰφιγένεια ἡ ἐν Αὐλίδι) é, provavelmente, a última tragédia de Eurípides. Foi representada pela primeira vez em -405 no concurso trágico das Dionísias Urbanas de Atenas e era parte da trilogia que e recebeu a primeira colocação. Os dramas que a acompanharam eram Bacantes e Alcmeon em Corinto, esta conhecida somente pelos fragmentos.

Eurípides havia morrido alguns meses antes do concurso de -405 e Eurípides, “o Jovem”, filho (ou sobrinho) do poeta, encenou a trilogia. Acredita-se ainda que ele compôs alguns trechos da Ifigênia em Áulis, que o pai / tio deixara inacabada.

Os últimos versos da tragédia (1532-1629), tal qual a conhecemos, também não são de Eurípides. Esse final, conservado pelos manuscritos disponíveis, foi aparentemente criado durante o Período Bizantino[1]. A maior parte dos eruditos concorda que o texto, embora alterado por diversos outros autores ao longo dos séculos em várias cenas, segue o sentido geral dos planos de Eurípides para a tragédia (Ribeiro Jr.", 2006).

Hipótese

A tragédia se baseia em um dos episódios do Ciclo Troiano. Agamêmnon, rei de Micenas (ou Argos), comandante das forças gregas que se preparam para atacar Troia, é compelido a sacrificar sua filha Ifigênia para que a deusa Ártemis cesse a longa calmaria que impede o embarque dos gregos. A inesperada chegada de Clitemnestra em companhia da filha e a intervenção de Aquiles, alheio à trama, complicam seus planos.

Dramatis personae

Agamêmnon rei de Micenas (Argos), marido de Clitemnestra, pai de Ifigênia Velho antigo servidor de Agamêmnon e Clitemnestra Coro jovens mulheres casadas de Cálcis, Eubeia Menelau rei de Esparta, irmão de Agamêmnon, tio de Ifigênia, marido de Helena Clitemnestra esposa de Agamêmnon, mãe de Ifigênia e irmã de Helena Ifigênia filha mais velha de Agamêmnon e de Clitemnestra Aquiles o mais poderoso dos guerreiros gregos, líder dos mirmidões

E ainda: o Primeiro Mensageiro, o Segundo Mensageiro e servos mudos.

O bebê Orestes era representado certamente por um boneco e Helena, causa imediata da Guerra de Troia, é tão mencionada que se pode considerá-la outro personagem da tragédia.

Esta é uma das poucas peças em que Eurípides não recorreu ao deus ex machina: Ártemis, principal personagem divino da tragédia, é apenas mencionada. Há evidências, porém, de que o êxodo original de Eurípides ou de Eurípides junior, hoje perdido, pode ter contado com a voz da deusa Atena em cena, dirigindo-se talvez a Agamêmnon (cf. a voz de Ártemis no Hipólito).

Mise en scène

A cena se passa no acampamento das forças gregas estacionadas em Áulis, cidade da Beócia que faz frente à Eubeia, na época da Guerra de Troia. O protagonista fazia Agamêmenon e Aquiles; o deuteragonista, Menelau e Clitemnestra; o tritagonista, o velho, Ifigênia e os mensageiros.

Resumo

A tragédia contém 1629 versos e ocupa cerca de 68 páginas da edição de Jouan (1983), na qual se baseia este resumo.

Agitado, Agamêmnon convoca um velho servidor, relembra os antecedentes da Guerra de Troia e revela que Ártemis impede os ventos de soprarem para que o exército grego não embarque. Um oráculo havia ordenado que sacrificasse sua filha mais velha, Ifigênia, para aplacar a deusa, e assim ele avisara Clitemnestra, sua esposa, para enviar a filha até Áulis sob o falso pretexto de casá-la com o herói Aquiles. Arrependido, pede a um velho servidor que leve a Argos uma mensagem com ordens contrárias (Prólogo, 1-163).

O coro descreve o acampamento, os guerreiros e os navios de cada contigente grego, e as atividades de alguns deles enquanto esperam o embarque (Párodo, 164-302).

Menelau surpreende o velho, toma-lhe as tabuinhas com a mensagem de Agamêmnon e lê; os dois irmãos discutem e ofendem-se mutuamente. Chega o Mensageiro e comunica que Clitemnestra, Ifigência e Orestes estavam chegando; Agamêmnon lamenta-se, e Menelau mostra simpatia pelas atribulações do irmão. Agamêmnon, no entanto, diz a ele que a morte de sua filha é inevitável devido às pressões do exército acampado (1º Episódio, 303-542).

O coro canta as consequências funestas do amor, as obrigações de homens e mulheres, e relembra o encontro entre Páris e Helena e suas consequências (1º Estásimo, 543-589).

Clitemnestra, Ifigênia e Orestes chegam; Agamêmenon os recebe e procura enganar a esposa e a filha. A pedido de Clitemnestra, descreve a genealogia e os méritos de Aquiles e por fim pede, sem sucesso, que a esposa retorne a Argos (2º Episódio, 590-750). O coro descreve o futuro cerco de Troia e sua destruição, e destaca a culpa de Helena nesses eventos (2º Estásimo, 751-800).

Aquiles e Clitemnestra se encontram e descobrem que não são futuro genro e futura sogra; o velho servidor aparece e revela o que na realidade está acontecendo. Clitemnestra implora a ajuda de Aquiles que, furioso com o uso indevido de seu nome, promete socorrê-la (3º Episódio, 801-1035). O coro relembra as núpcias de Peleu e Tétis e lamenta a morte próxima de Ifigênia (3º Estásimo, 1036-1097).

Clitemnestra e Ifigênia confrontam Agamêmnon e suas mentiras; Ifigênia tenta demover o pai, sem sucesso, e lamenta-se. Aquiles volta e revela que o exército está incontrolável e até seus mirmidões voltaram-se contra ele. Prepara-se para enfrentar todos quando Ifigênia intervém e se oferece voluntariamente para o sacrifício (4º Episódio, 1090-1508). O coro celebra o oferecimento de Ifigênia e faz uma prece aos deuses pela vitória dos gregos (4º Estásimo, 1509-1531).

Um mensageiro relata a Clitemnestra os preparativos para o sacrifício e a misteriosa substituição de Ifigênia por uma corça quando ia ser degolada. Agamêmnon confirma o ocorrido e se despede, pois os ventos estão soprando e o exército vai partir (Êxodo, 1532-1629).

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

As fontes mais importantes do texto da tragédio são os manuscritos Laurentianus 32.2 (1300/1320), da Biblioteca Laurenciana de Florença, e o Palatinus Vaticanus gr. 287 (c. 1320), da Biblioteca do Vaticano.

A editio princeps é a Aldina, de 1503. Principais edições modernas da tragédia isolada: Headlam (1889), Nauck (1871), England (1891), Jouan (1983), Günther (1988), Stockert (1992) e Turato (2001).

Notações musicais referentes a uma pequena parte de um dos cantos corais foram recuperadas a partir do P. Leiden inv. 510, da Biblioteca de Leyde, Holanda (c. -250). Seu autor pode ter sido o próprio Eurípides ou compositor mais recente, que criou a música para uma das reapresentações da tragédia.

As primeiras traduções para o português foram a de Cândido Lusitano (1719/1773), ainda inédita, e a de Manuel de Figueiredo (1805); em 1974 foi publicada postumamente a excelente tradução de Paes de Almeida, revista em 1998 por Maria de Fátima Silva, da Universidade de Coimbra. Em 2005, completei nova tradução do texto e dos fragmentos para minha dissertação de mestrado (Ribeiro Jr.", 2006), em publicação.