Eurípides / Medeia

Μήδεια Medea Eur. Med. -431
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Sem dúvida, a mais conhecida das obras-primas de Eurípides. A tragédia tem 1419 versos.

Sumário

Medeia (gr. Μήδεια) foi representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas de -431, ano em que a Guerra do Peloponeso começou.

Os outros dramas da tetralogia eram Filoctetes e Dictis, tragédias, e Ceifeiros, drama satírico, todos em estado fragmentário. Eurípides obteve a terceira colocação no concurso de tragédias; Euforion ganhou o primeiro prêmio e Sófocles, o segundo.

Eurípides nos transmitiu, nesse drama, um dos mais interessantes e mais emocionantes retratos das forças antagônicas que governam a alma humana. Medeia, a personagem principal, luta com todas as forças e todas as armas contra as adversidades que a acometem.

Medeia é uma das tragédias de plano e fuga[1] de Eurípides. Outros temas importantes: retaliação e vingança, filicídio, código heroico, papel das mulheres, engano, alteridade, conflitos entre maridos e esposas, gregos e não gregos.

Personagens do drama

miniatura Creusa e os filhos de Medeia

A Ama e o Pedagogo são servos de Medeia, filha de Eetes, rei da Cólquida, neta do deus Hélio e esposa de Jasão, antigo líder dos argonautas. O Coro é constituído de mulheres de Corinto e Creonte é o rei da cidade. Egeu, futuro pai do herói Teseu, é o atual rei de Atenas.

Argumento

O enredo se baseia no mito de Medeia e Jasão, expulsos de Iolco após a morte de Pélias. Eles vivem agora em Corinto com seus dois filhos e o rei de Corinto, Creonte, convence Jasão a abandonar Medeia e se casar com sua filha e expulsa Medeia e os dois filhos da cidade.

A Ama conta que Jasão traiu Medeia e seus filhos, tendo se casado com a filha de Creonte, rei de Corinto, e que Medeia está deprimida, encolarizada e revoltada com a situação. O Pedagogo chega com as crianças e diz ter ouvido que Creonte planeja exilar Medeia e seus filhos. A Ama se preocupa por causa do terrível temperamento de sua senhora, cujos lamentos se tornam audíveis.

miniatura Jasão e Medeia

O Coro pede que a Ama traga Medeia antes que ela pratique algum mal. Ela vem, lamenta ter saído da Cólquida e deplora as vicissitudes de todas as esposas, mostrando-se rancorosa e vingativa. Creonte ordena-lhe que saia da cidade com os dois filhos e diz abertamente que teme sua vingança. Medeia implora, mas Creonte não volta atrás; concede-lhe apenas um dia para que prepare tudo. Medeia decide usar esse tempo para matar o rei, Jasão e sua nova esposa.

Jasão tenta apaziguar Medeia e lhe diz que ela e os filhos foram exilados por causa de seus insultos à casa real. Medeia, furiosa, lembra-lhe que no passado tudo fez para salvá-lo, tornou-se inimiga da própria família e por fim foi traída por ele. Jasão contesta, atribui sua salvação a Cípris e sustenta que Medeia teve mais vantagens do que desvantagens ao ajudá-lo, e que se casou de novo para prosperar e ter recursos para melhor cuidar dela, Medeia, e dos filhos de ambos. Oferece-se para ajudá-la no exílio, mas ela recusa.

Egeu, de passagem por Corinto, encontra Medeia e aceita receber os exilados em Atenas. Assim garantida, Medeia maquina a morte da noiva de Jasão e de seus próprios filhos. O Coro implora a ela que não faça isso. Medeia chama Jasão, desculpa-se, pede-lhe que intervenha junto à nova esposa para reverter o exílio dos filhos e envia as crianças até a filha de Creonte com presentes. O pedagogo anuncia que os presentes foram entregues e Medeia, depois de alguma vacilação, manda as crianças para o palácio e se mostra firme em seus propósitos.

miniatura Cenas e personagens da Medeia

O Mensageiro conta que a princesa e o rei estão mortos, graças ao veneno que impregnava os presentes enviados. Medeia anuncia a morte próxima dos filhos e entra no palácio.

O Coro ouve as súplicas e os gritos das crianças e logo conta a Jasão que seus filhos foram mortos pela própria mãe. Quando Jasão tenta entrar, Medeia aparece acima dele, na carruagem emprestada por seu avô, Hélio; diz a Jasão que tudo aconteceu por culpa dele e parte, levando os corpos dos filhos.

Mise en scène

A cena se passa em Corinto, diante da casa de Medeia. O cenário mostrava, certamente, a porta da casa; a cena final, com a carruagem de Hélio, deve ter sido representada no teto da skēnḗ.

O protagonista fazia o papel de Medeia; o deuteragonista, o da Ama e o de Jasão; e o tritagonista, o do Pedagogo, o de Egeu e o do Servidor. O papel de Creonte pode ter sido representado pelo deuteragonista ou pelo tritagonista.

Estrutura dramática

Para o vocabulário utilizado no estudo da estrutura dramática, ver sinopse Estrutura básica das tragédias.

Prólogo, 1-130: após um monólogo da Ama de Medeia (1-48), ocorre um diálogo entre ela e o Pedagogo (49-95), seguido de um dueto anapéstico entre Medeia e a Ama (96-130), prenúncio do Párodo.

Párodo, 131-213.

1º Episódio, 271-409.

1º Estásimo, 410-445.

2º Episódio, 446-626.

2º Estásimo, 627-662.

3º Episódio, 663-823.

3º Estásimo, 824-865.

4º Episódio, 866-975.

4º Estásimo, 976-1001.

5º Episódio, 1002-1080.

Interlúdio anapéstico, 1081-1115.

6º Episódio, 1116-1250.

5º Estásimo, 1251-1292.

Êxodo, 1293-1419.

 

Manuscritos, edições e traduções

Medeia pertence à família dos manuscritos com peças selecionadas. Dentre os mmss. que contêm a peça completa, os mais importantes são B, A, V e também L, da família dos dramas alfabéticos. Alguns dos mmss. com textos incompletos, e.g. o Hierosolymitanus patriarchalis Τάφου 36 (Jerusalém, Biblioteca do Patriarca, sæc. X-XI) e diversos papiros fragmentários têm importância no estabelecimento do texto de algumas passagens. Os papiros mais antigos são o P.Strasb. WG 305-6 (Estrasburgo, Biblioteca Nacional) e o P.Berol. 21257 (Berlim, Coleção de Papiros), ambos de -250.

Alguns manuscritos são antecedidos de duas hypótheseis, uma delas atribuída a Aristófanes de Bizâncio; uma terceira, fragmentária, foi encontrada no P.IFAO inv. PSP 248 (sæc.II, Instituto Francês de Arqueologia Oriental). Eis um trecho da hypóthesis de [Aristófanes]:

Μήδεια (...) ἐδιδάχθη ἐπὶ Πυθοδώρου ἄρχοντος ὀλυμπιάδι π̅ζ̅ ἔτει ᾱ. πρῶτος Εὐφορίων, δεύτερος Σοφοκλῆς, τρίτος Εὐριπίδης Μήδειᾳ, Φιλοκτήτηι, Δίκτυι, Θερισταῖς σατύροις. οὐ σῴζεται.
Medeia (...) foi representada no arcontado de Pitodoro, no primeiro ano da 87ª Olimpíada (i.e. -431). Em primeiro lugar, Euforíon; em segundo, Sófocles; em terceiro, Eurípides, com Medeia, Filoctetes, Dictis e o drama satírico Ceifeiros. (Ele) não sobreviveu.

A editio princeps é a de Janus Lascaris, publicada c. 1494 em Florença. As edições modernas isoladas mais importantes são as de Denys Page (Oxford, 1938), Alan Elliott (Oxford, 1969), Herman Van Looy (Leipzig, 1992), Donald Mastronarde (Cambridge, 2002) e Judith Mossman (Oxford, 2011).

Passagens selecionadas

Medeia foi traduzida para o latim em 1544 por George Buchanan, logo após a tradução latina de Collinus de todas as peças (Basileia, 1541).

A primeira tradução para o português, ainda inédita, foi efetuada por Cândido Lusitano em 1763[2]. Depois, vieram as traduções isoladas de

  • Cabral do Nascimento (Mem Martins, 1973);
  • Mário G. Kury (Rio de Janeiro, 1977);
  • Maria da Eucaristia Danielou (Rio de Janeiro, 1980);
  • Maria Helena da Rocha Pereira (Lisboa, 1991);
  • Jaa Torrano (S. Paulo, 1991);
  • Flávio de Oliveira (S. Paulo, 2007);
  • Trajano Vieira (S. Paulo, 2010) e
  • Tereza Virgínia R. Barbosa (S. Paulo, 2013).
Ver também as traduções gerais de Eurípides

Edvanda Bonavina da Rosa, professora de grego da UNESP, publicou uma versão para leitura dramatizada na Coleção Giz-en-Scène em 1995.

Influências e reapresentações

miniaturaApresentação da
Medeia em 1898

Teatro e cinema

Depois da Antiguidade, Medeia foi reapresentada pela primeira vez em 1539, no Collège de Guyenne (Bordeaux, França), pelos alunos de George Buchanan (1506/1582). Grande quantidade de apresentações mais ou menos fiéis e muitas adaptações da tragédia euripidiana se seguiram, de tal modo que, nos últimos dois séculos, Medeia é indubitavelmente a mais encenada de todas as tragédias gregas.

No Brasil, mais precisamente em São Paulo, textos baseados na peça foram apresentados por Cristiane Tricerri (SESC Anchieta, 1990) e pelo grupo “Mergulho no Trágico” (auditório do MASP, 1991). Até 2014, pelo menos outras 15 apresentações ocorreram em São Paulo... em nosso país, Medeia é também a tragédia grega mais encenada! Importante lembrar, ainda, duas importantes adaptações: a de Chico Buarque e Paulo Pontes, Gota d'Água (1975), e a de Antunes Filho (2001), também intitulada Medeia.

A segunda parte do filme Medea, de Pier Paolo Pasolini (1969), segue de perto a tragédia de Eurípides.