Eurípides / Troianas

Τρωιάδες Troades E. Tr. -415
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Uma das mais importantes tragédias antibélicas[1] de Eurípides, com 1332 versos.

Sumário

De acordo com o testemunho de Eliano, a estreia de Troianas (gr. Τρωιάδες) se deu nas Dionísias Urbanas de -415 e a tetralogia foi premiada com o segundo lugar[2].

Das outras tragédias, Alexandre e Palamedes, assim como do drama satírico Sísifo, há fragmentos. Note-se que esta trilogia trágica era nitidamente temática, pois as três tragédias são relacionadas com a Guerra de Troia e seus personagens.

Temas principais: o custo da guerra para vencidos e vencedores, indiferença e desígnios dos deuses, loucura, profecias, destino e mudanças da fortuna, papel das mulheres, sacrifícios humanos, dignidade e sofrimento.

Troianas se compõe de episódios mais ou menos autônomos, caracterizados pelo triste destino das nobres troianas após a derrota de Troia frente aos gregos. Há pouca influência da sequência de cenas no desfecho da tragédia, mas todas elas são vívidas e impactantes, dextramente interligadas pelo crescente sofrimento externado por Hécuba diante dos sucessivos golpes recebidos.

Personagens do drama

miniatura Helena de Troia

O coro é constituído por cativas troianas. Posídon e Atena são divindades.

Hécuba, ex-rainha de Troia, é viúva do rei Príamo e mãe de Cassandra; Taltíbio é o arauto de Agamêmnon, um dos líderes gregos; Cassandra, filha de Hécuba, é escrava e concubina de Agamêmnon; Andrômaca, viúva do troiano Heitor, é nora de Hécuba e cunhada de Casssandra. Menelau, rei de Esparta e um dos líderes dos gregos, é ex-marido de Helena, viúva de Páris e nora de Hécuba.

Personagens mudos: Astiánax, filho de Heitor e Andrômaca; antigas servas de Hécuba e servos de Taltíbio e Odisseu.

Argumento

O enredo se baseia em um dos episódios do Ciclo troiano, situado logo após a destruição de Troia.

Troia foi saqueada e arrasada pelos gregos, que mataram todos os habitantes do sexo masculino e se preparam para deixar a área com as escravas troianas; Posídon e Atena planejam, no entanto, destruir os navios devido aos sacrilégios cometidos pelos gregos durante a queda da cidade. Enquanto Hécuba e as demais escravas troianas lamentam a destruição de sua terra e a perda dos entes queridos, Taltíbio anuncia a quais senhores Cassandra, Polixena, Andrômaca e Hécuba foram atribuídas.

Cassandra, delirante e portando tochas, irrompe e canta sua união com Agamêmnon como se ela fosse a noiva de um casamento real; logo depois, menos agitada, profetiza seu destino, o de Agamêmnon e o de Odisseu. Andrômaca conta a Hécuba que Polixena foi sacrificada no túmulo de Aquiles e recebe, de Taltíbio, a notícia de que o pequeno Astiánax será morto pelos gregos daí a pouco.

Menelau manda trazerem Helena, a escrava “troiana” a ele atribuída, e conta que vai levá-la de volta à Grécia, onde deverá ser morta. Helena implora por sua vida e pede a oportunidade de falar em seu favor. Helena e Hécuba debatem longamente a respeito da culpabilidade de Helena em relação à guerra de Troia, mas Menelau reitera suas intenções originais e leva Helena para o seu navio.

Taltíbio traz o corpo de Astiánax e ajuda Hécuba e as troianas a enterrá-lo. Logo depois os homens de Odisseu, a quem Hécuba foi atribuída, vêm buscar a antiga rainha.

Mise en scène

A cena se passa no acampamento dos gregos na planície troiana, não muito distante da cidade de Troia, que ainda arde em chamas (8-9, 145). No centro, vê-se a entrada da tenda de Agamêmnon (138-9, 176-7), o chefe da expedição.

O protagonista fazia o papel de Hécuba e permanece em cena durante toda a tragédia[99]; o deuteragonista, provavelmente, o de Posídon, Cassandra e Helena; e o tritagonista representava Atena, Taltíbio e Menelau.

Hécuba está deitada e adormecida (36-8) diante da tenda de Agamêmnon (138-9) durante a declamação dos primeiros 97 versos. O Coro, excepcionalmente, entra em cena pela entrada da tenda, em dois grupos, e não pelas entradas laterais (154-5; 166; 176-7). Posídon e Atena aparecem no alto da skēnḗ.

Estrutura dramática

Para o vocabulário utilizado no estudo da estrutura dramática, ver sinopse Estrutura básica das tragédias.

Prólogo 1-152. Tripartido: um monólogo de Posídon (1-97), seguido de um diálogo entre Posídon e Atena (48-97) com disticomitia (51-68) e esticomitia (69-78) de curta duração e de uma lamentosa monodia de Hécuba (98-152) em anapestos inicialmente recitativos (98-121) e, depois, líricos (122-52).

Párodo 153-234. Cantado em anapestos líricos, inicialmente por dois hemicoros, o primeiro em 153-75 (estrofe 1) e o segundo, em 176-96 (antístrofe 1); os vv. 197-229 (estrofe 2, 197-213; antístrofe 2, 214-29) são cantados pelo Coro todo. Há um dueto (amoibaíon) entre Hécuba e os hemicoros em 153-96.

1º episódio 230-510. Diálogo entre Taltíbio e Hécuba (235-307), monodia de Cassandra (308-40, metro complexo), diálogo entre Hécuba, Cassandra e Taltíbio com duas longas rhḗseis de Cassandra (353-405 e 424-61) e um monólogo de Hécuba (466-510).

1º estásimo 511-67. Lamentoso canto coral triádico com tonalidades épicas e predomínio de dímetros iâmbicos: estrofe (511-30), antístrofe (531-50), epodo (551-67).

2º episódio. Andrômaca, Hécuba, Taltíbio (568-798).

miniatura
O desespero de Hécuba

2º estásimo. Coro (799-859).

3º episódio. Menelau, Hécuba, Helena (860-1059).

3º estásimo. Coro (1060-1117).

Êxodo. Taltíbio, Hécuba, corpo de Astiánax (1118-1132).

 

Manuscritos, edições e traduções

Troianas é uma das tragédias da família de peças selecionadas, mas não está presente em muitos manuscritos. As três fontes mais importantes são V e P, este último da família dos “dramas alfabéticos” e o Harleianus 5743[99], do início do século XVI, conservado na British Library, Londres. O P.Oxy. 4564, do séc. III-IV, tem partes dos versos 340-6; uma tabuinha de madeira do século I, partes dos versos 876-9.

Os mmss. V, P e Q têm uma hypóthesis do tipo narrativo; partes das primeiras seis linhas também estão presentes no fr. 13 do P.Oxy. 2455, datado do século II.

Passagens selecionadas

A editio princeps é a Aldina (Veneza, 1503). Principais edições modernas isoladas: Werner Biehl (Leipzig, 1970); Kevin Lee (Basingstoke, 1976); Shirley Barlow (Warminster, 1986); David Kovacs (Oxford, 2018).

A primeira tradução de Troianas para língua não grega (latim) foi efetuada por Collinus, em 1541, juntamente com as outras peças. Traduções isoladas da tragédia para o português: Mário G. Kury (Rio de Janeiro, 1965); Maria Helena Rocha Pereira (Lisboa, 1996); Christian Werner (S. Paulo, 2004); Trajano Vieira (S. Paulo, 2021).

Ver também traduções gerais de Eurípides

Recepção

No século -III, os poetas romanos Ênio e Ácio, produziram tragédias provavelmente inspiradas em Eurípides, respectivamente Andrômaca prisioneira e Astiánax. Ovídio (Metamorfoses 13.404–28) parece também ter se inspirado em Eurípides ao descrever o destino das troianas e, em -54, Sêneca escreveu uma tragédia intulada As troianas, inspirada em Troianas e Hécuba de Eurípides e, talvez, também em Ovídio.

Bem mais tarde, em 1747, Johann Schlegel publicou sua Troianas, baseada nas duas tragédias de Eurípides e em Sêneca. Uma adaptação moderna da peça, da autoria de Jean-Paul Sartre (1966), acentuou suas características antibélicas e políticas.

Destaca-se também a versão filmada por Cacoyannis em 1971.