Eurípides / Orestes

Ὀρέστης Orestes E. Or. -408
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A mais experimental e não ortodoxa das tragédias de Eurípides, com 1693 versos.

Sumário

Orestes (gr. Ὀρέστης) foi representada pela primeira vez em -408. Nada sabemos das demais tragédias do concurso; para Willink, o drama satírico Ciclope pode ter sido apresentado na mesma ocasião[1].

Embora os personagens e o fundo mítico pertençam aos mitos tradicionais da família dos atridas e das consequências da guerra de Troia, a trama da peça foi inteiramente concebida por Eurípides e construída em torno de novos recursos teatrais.

Ainda na Antiguidade os episódios relativamente humorísticos da peça e o “final feliz” atraíram a atenção dos críticos quanto ao caráter pouco trágico da tragédia e a ética dos personagens, equiparando-a à Alceste como uma “não tragédia”, pois ‘termina em felicidade e alegria’[2].

Temas principais: vingança e justiça, código heroico, lei natural X leis humanas, homicídio, julgamento, amor fraterno e amizade, conflito de gerações, doença e loucura, engano, responsabilidade divina.

Personagens do drama

miniatura Orestes e Electra

O coro é constituído de mulheres de Argos, amigas de Electra; Electra é filha de Agamêmnon, irmã de Orestes e sobrinha de Menelau; Helena é esposa de Menelau; Orestes, filho de Agamêmnon, é irmão de Electra; Menelau, rei de Esparta, é marido de Helena; Tíndaro, pai de Helena e de Clitemnestra, é o antigo rei de Esparta; Pílades é primo e amigo de Orestes e Electra; Hermíone é filha de Menelau e Helena; o Frígio é um escravo de Helena e Menelau; Apolo é uma divindade.

Argumento

A tragédia se passa no sexto dia posterior à morte de Clitemnestra às mãos de Orestes e, na primeira cena, o jovem dorme, perturbado, em um leito diante do palácio de Agamêmnon. Electra informa que ambos estão sujeitos à pena de morte por causa do assassinato de sua mãe e, ansiosa, aguarda a vinda de Menelau, que só agora retorna da expedição a Troia, em companhia de Helena, a qual faz uma rápida e protocolar visita aos irmãos.

miniaturaAs erínias atormentam Orestes

Orestes acorda e é informado por Electra que Menelau já chegou, mas logo depois é novamente atormentado pelas Erínias. Menelau vem e se diz disposto a interceder em favor de Orestes e Electra no julgamento, após presenciar a acalorada discussão entre Tíndaro, ultrajado pela morte da filha, e Orestes, mas recusa-se a empregar seu poder militar.

O fiel Pílades aparece e anima Orestes, convencendo-o a comparecer à assembleia e se defender ativamente. Algum tempo depois, no entanto, um mensageiro avisa Electra que ela e o irmão foram condenados à morte por apedrejamento. Pílades promete juntar-se a eles na morte e propõe que, antes de a sentença ser efetivada, se vinguem da inação de Menelau matando Helena e raptando Hermíone, para forçá-lo a interceder por eles.

Quando os dois amigos tentam matar Helena, ela desaparece inexplicavelmente. Menelau se dirige apressadamente ao palácio, onde Orestes mantém Hermíone no teto, sob a ameaça de uma espada, prometendo atear fogo ao palácio. Diante do impasse, surge Apolo ex machina, ao lado de Helena, que se tornou uma divindade por ordem de Zeus. O deus reconcilia todos ao informar que, após um longo exílio, Orestes se casará com Hermíone e Pílades, com Electra; e Menelau reinará em Esparta durante muito tempo.

Mise en scène

A cena se passa em Argos, diante do palácio de Agamêmnon; perto da entrada há um leito, no qual Orestes permanece deitado, dormindo agitado, até o verso 211. A entrada do Coro é anunciada por Electra no verso 132, mas o canto começa mais tarde, no verso 140.

O protagonista provavelmente fazia o papel de Orestes; o deuteragonista, o de Electra, de Menelau e do Frígio; e o tritagonista representava Helena, Tíndaro, Pílades, o mensageiro, Hermíone e Apolo. De acordo com Pickard-Cambridge[3], em pelo menos uma passagem haveria necessidade de um quarto ator.

Sabemos o nome do ator que representou Orestes na estreia da peça, graças a um erro de pronúncia cometido por ele ao declamar o verso 279[4]: Hagéloco.

Estrutura dramática

Prólogo 1-139: monólogo de Electra (1-70), diálogo entre Electra e Helena (71-125), breve lamento de Electra e entrada do Coro (126-139).

Párodo 140-207: diálogo lírico entre Electra e o Coro, em metro predominantemente docmíaco, com dois pares de estrofes (140-151 e 166-186) e antístrofes (152-165 e 187-207).

1º Episódio, 208-315. Diálogo entre Electra e Orestes.

 

Manuscritos, edições, traduções

miniaturaPrimeira hypóthesis do
Orestes

Orestes é uma das tragédias da família de peças selecionadas e também faz parte da “tríade bizantina”[5]. Os mmss. completos mais importantes são M, B, O e A, além de L, da família dos “dramas alfabéticos”. Outros mmss. têm trechos importantes da tragédia, assim como alguns papiros fragmentários. O papiro mais antigo (P.Strasb. WG 307) data de -250.

Em alguns mmss. e papiros o texto é precedido de duas hypótheseis; a segunda contém alguns comentários críticos e é atribuída a Aristófanes de Bizâncio. Um fragmento musical de uma das antigas representações da tragédia (c. -200), referente aos vv. 338-44, foi descoberto no P. Vindob. G 2315, da Biblioteca Nacional de Viena.

A editio princeps é a Aldina (Florença, 1503). As mais recentes edições modernas isoladas são as de Vincenzo Di Benedetto (Florença, 1965); Werner Biehl (Leipzig, 1985); Charles Willink (Oxford, 1986); e Martin West (Warminster, 1987).

Orestes foi traduzida para o latim por Collinus em 1541, juntamente com as demais tragédias de Eurípides. Traduções para o português: Augusta F. Oliveira e Silva (Coimbra, 1982); Tereza V.R. Barbosa (Cotia, 2017); e Karen Sacconi (S. Paulo, 2021).

Recepção

A tragédia era muito popular na Antiguidade e foi citada por Aristófanes (Rãs), Aristóteles (Poética), Êubulo (F 64), Menandro (Sicionianos), outros poetas cômicos e numerosos escoliastas. Há evidências da influência do Orestes em Pacúvio (Orestes, o escravo) e em poetas como Virgílio (Eneida), Horácio (Sátiras), Ovídio (Amores), Valério Flaco (Argonáuticas) e Juvenal (Sátira 14). [Longino] também mencionou a tragédia no tratado Do sublime.

A primeira reapresentação teatral moderna se deu em dezembro de 1567, em latim, no Lecture Theatre do Museu Britânico, Londres, diante da Rainha Elisabete I. A peça foi provavelmente encenada pelos meninos da Westminster School.

Há várias representações artísticas do mito da loucura de Orestes da Antiguidade aos nossos dias; nenhuma, porém parece ter sido influenciada pela tragédia de Eurípides.