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Eurípides / Electra

Ἠλέκτρα Electra E. El. -413

Uma das mais impactantes tragédias do poeta ateniense Eurípides, com 1359 versos.

Sumário

Electra (gr. Ἠλέκτρα) foi representada em Atenas pela primeira vez entre -422 e -416, nas Dionísias Urbanas ou nas Leneias. Além da data relativamente incerta, nada sabemos das outras peças apresentadas no mesmo concurso, dos prêmios e dos concorrentes.

A tragédia se baseia no mito do retorno dos atridas à Grécia, após a Guerra de Troia. Diferentemente de Ésquilo e de Sófocles, que abordaram o mesmo tema em Coéforas e Electra, respectivamente, Eurípides dá o maior destaque ao personagem de Electra, irmã de Orestes, em sua busca por vingança pelo assassinato de seu pai, Agamêmnon.

Nos tempos modernos, Electra foi considerada, desde o início, uma tragédia não trágica, exemplo mais representativo do progressivo afastamento de Eurípides do cânone trágico estabelecido por Aristóteles[99]. Em 1545, por exemplo, Pier Vettori observou que a peça magis proprius esse comœdiæ quam tragœdiæ, 'se assemelha mais à comédia do que à tragédia', pois os heróis obtêm o que desejavam, sem sofrimento adicional. Nas últimas décadas, no entanto, o caráter trágico da Electra foi definitivamente estabelecido pelos estudiosos, embora devêssemos talvez considerá-la outra das tragédias euripidianas com “final feliz”[99].

Temas principais: sofrimento feminino, tiranicídio e matricídio, ódio e obsessão, punição, vingança, retribuição e justiça, sacrifício humano, enganos, reconhecimento, nobreza e moralidade, honra e status social, relações familiares e obrigações, cena de reconhecimento. Os cantos corais tratam do escudo de Aquiles, da origem do ódio entre Atreu e Tieste e da morte de Agamêmnon.

Personagens do drama

miniatura Orestes, Clitemnestra e uma
das erínias

O Coro é constituído de jovens argivas, mais velhas do que Electra (190-7). Castor e Polideuces, os dióscuros, são irmãos de Clitemnestra e tios de Electra e Orestes, anteriormente elevados à divindade.

O Camponês, um miceniano, é marido nominal de Electra. Orestes, filho de Agamêmnon e Clitemnestra, é irmão de Electra; o Velho, antigo servidor e pedagogo de Agamêmnon; Clitemnestra, mãe de Electra e Orestes, é viúva de Agamêmnon e esposa de Egisto. O Mensageiro é um servidor de Orestes.

Personagens mudos: Pílades, filho de Estrófio, primo e amigo de Orestes; Polideuces; servos diversos.

Argumento

Após a morte de Agamêmnon, Electra é forçada por Egisto a se casar com um camponês, a fim de evitar que um filho nobre tentasse vingar o avô. Orestes, enviado para longe por um fiel servo, tem a cabeça a prêmio; Electra vive miseravelmente, à espera do retorno do irmão.

Orestes e Pílades aparecem, e Orestes finge ser um amigo dele próprio, que está vivo e procura notícias da irmã; Electra relata seu sofrimento e o camponês oferece hospitalidade aos visitantes. Quando um velho servidor de Agamêmnon vem trazer mantimentos para ajudar Electra e o marido a receber os visitantes, reconhece Orestes e os três planejam a vingança. O velho sugere que Orestes e Pílades entrem no palácio como estrangeiros, durante um sacrifício oferecido por Egisto, e Electra anuncia que preparará a morte da mãe, enviando-lhe a falsa notícia de que deu à luz uma criança.

Bem sucedidos, Orestes e Pílades voltam do palácio, trazendo o corpo de Egisto. Orestes vacila ao ver que a mãe se aproxima, mas Electra estimula-o e Orestes se enconde na casa de Electra.

miniaturaOs dióscuros

Após uma discussão com Electra, Clitemnestra entra e é morta por Orestes, aparentemente com a ajuda de Electra (1165, 1168). Os dois irmãos expressam grande horror e arrependimento pela morte da mãe às suas mãos, mas surgem os dióscuros ex machina. Castor ordena a Orestes casar Electra com Pílades e depois deixar Argos; avisa-o que as terríveis Queres irão persegui-lo e que deverá submeter-se ao tribunal em Atenas. Ele considera Apolo culpado de tudo e conta, finalmente, que Helena jamais esteve em Troia.

Mise en scène

A ação começa pouco antes do amanhecer (54, 102). A cena se passa diante de uma rústica casa de camponês (168) nos confins montanhosos da Argólida, região onde fica Micenas, próxima à fronteira (96, 251). Perto da entrada da casa há um pequeno altar dedicado a Apolo (216, 221).

O papel de Electra coube ao protagonista e o de Orestes, ao deuteragonista. O tritagonista representou todos os outros papéis: Camponês, Velho, Mensageiro, Clitemnestra e Castor.

Electra, pobremente vestida, com roupa em farrapos e mal-arrumada (184-5), tem cabelos cortados curtos (108, 241). Orestes tem uma espada às mãos ao falar com Electra (225). Clitemnestra entra em cena em uma carruagem (998-9; 1135-6).

Objetos cênicos: um jarro; a espada de Orestes; um cordeiro (talvez um boneco), queijos e um odre de vinho. Os cadáveres de Egistro e Clitemnestra são mostrados em cena.

Estrutura dramática

Para o vocabulário utilizado na descrição da estrutura dramática, ver sinopse Estrutura básica das tragédias.

Prólogo, 1-166. Complexo, estruturado em quatro partes: monólogo do camponês (1-53), diálogo entre Electra e o camponês (54-81), monólogo de Orestes, que se dirige ao mudo Pílades (82-111), e um resignado e emocionado lamento (monodia) de Electra (112-166), em metro eólico, com dois pares estróficos e dois mesodos (estrofe 1, 112-24; mesodo 1, 125-6; antístrofe 1, 127-39; estrofe 2, 140-9; mesodo 2, 150-6; antístrofe 2, 157-66).

Párodo, 167-212. Curto e simétrico amoibaíon estrófico entre o Coro e Electra, também em metro eólico: estrofe (167-74, Coro; 175-89, Electra) e antístrofe (190-7, Coro; 198-212, Electra).

1º Episódio, 213-431. Dividido em vários diálogos e duas rhḗseis: Orestes e Electra (215-99), com uma longa esticomitia de 220 a 289; Electra (300-38); Orestes, Electra e o camponês (339-66); Orestes (367-400); Electra e o camponês (401-31).

1º Estásimo, 432-486. Dois pares estróficos: estrofe 1 (432-441), antístrofe 1 (442-451), estrofe 2 (452-463) antístrofe 2 (464-475) e epodo (476-485). Metro eólico.

2º Episódio, 487-698. Diálogo entre Electra e o velho (487-549) e entre eles e Orestes (550-84), com esticomitia quase ininterrupta entre 560 e 576. Seguem-se um canto coral celebratório, em metro predominantemente docmíaco (585-95), e vivo diálogo entre os três personagens (596-698), com longas esticomitias (612-46, Orestes e Velho; 647-84, os três).

miniatura Electra, Orestes e coreuta?

2º Estásimo, 699-746: estrofe 1 (699-712), antístrofe 1 (713-726), estrofe 2 (727-736) e antístrofe 2 (737-745); metro eólico.

3º Episódio, 747-858. Breve diálogo entre o Corifeu e Electra (747-60), depois uma longa rhḗsis do mensageiro (761-858).

3º Estásimo, 859-879. Diálogo lírico entre Electra e o coro em metro dactilo-epitrito: estrofe (859-865), canto de Electra (866-872), antístrofe (873-879).

4º Episódio, 880-1146. Diálogo entre Orestes e Electra (880-906); rhḗsis de Electra diante do corpo de Egisto (907-956), formalmente estruturada como libelo acusatório; vivo diálogo entre Orestes e Electra (959-987), com esticomitia de 962 a 981; canto coral anapéstico de boas vindas (988-997); agon entre Clitemnestra e Electra (998-1123); diálogo “normal” entre as duas (1124-1146).

4º Estásimo, 1147-1232. Inicialmente, estrofe (1147-55), antístrofe (1156-62) e epodo (1163-76) cantados pelo Coro; a seguir, lamento cantado por Orestes, Electra e o coro em três pares estróficos: estrofe 1 (1177-89), antístrofe 1 (1190-1205), estrofe 2 (1206-13), antístrofe 2 (1214-20), estrofe 3 (1221-26), antístrofe 3 (1227-32). Metro: docmíacos cantados, com trechos em trímetros iâmbicos enunciados pelo Corifeu e por Clitemnestra.

Êxodo, 1233-1359. O coro anuncia, cantando, a chegada dos dióscuros (1233-7); Castor enuncia uma longa rhḗsis (1238-91), seguida por um diálogo em anapestos cantados entre ele, Electra e Orestes (1292-1356) e pela despedida do coro (1357-9).

Manuscritos, edições e traduções

Electra é uma das tragédias euripidianas da série alfabética e, portanto, as fontes mais importantes são L e seus apógrafos, notadamente P. Dentre os fragmentos em papiros e óstracos, destaca-se o P.Hibeh 7.10-22, do século III. Outro papiro, o P.Oxy. 420 (século III), tem uma hypóthesis fragmentária; e uma lista de personagens foi inserida por Demetrius Triclinus em L.

A editio princeps, editada décadas após as edições de Lascaris (Florença, c. 1494) e de Aldus Manutius (Veneza, 1503), foi preparada por Petrus Victorius e publicada em Roma em 1545, graças à descoberta do manuscrito. Principais edições modernas isoladas: John Denniston (Oxford, 1939), Giuseppina Donzelli (Munique, 1995 e 22002); Martin Cropp (Warminster, 1988, 22013); Cecelia Luschnig & Hanna Roisman (Norman, 2014); Bernd Seidensticker (Berlin, 2025).

Passagens selecionadas

A tragédia foi anonimamente traduzida para o latim e publicada juntamente com o texto grego editado por Victorius em 1546. Traduções isoladas para o português: Maria Fernanda Brasete (Lisboa, 1998), Trajano Vieira (Cotia, 2009); Karen Sacconi (S. Paulo, 2012; 2022); Tereza Virgínia R. Barbosa e truπersa (Cotia, 2015); Roosevelt Rocha (Brasília, 2019)

Ver também as traduções gerais de Eurípides

Recepção

De certo modo, a tragédia de Eurípides já é uma forma de recepção da tragédia Coéforas, de Ésquilo (-458)[99]. A recepção da Electra euripidiana, por sua vez, com frequência se confunde com as versões trágicas do mito apresentadas por Ésquilo e Sófocles; nesta breve sinopse, portanto, mencionarei apenas obras que mostram indubitavelmente a influência de Eurípides.

Arte

Dois vasos do século -IV, Berlim 30042 (Ilum. 1514, supra) e Teece 156.73, têm alguns elementos da tragédia de Eurípides[99], mas não há certeza; influência mais definida se vê apenas em obras modernas, como Oreste e Elettra de Giorgio de Chirico (têmpera em papelão, 1923).

Literatura

Uma anedota conservada por Plutarco[99] conta que os espartanos não arrasaram Atenas no final da Guerra do Peloponeso (-404) porque tiveram a oportunidade de ouvir, antes da decisão, o párodo da Electra em um banquete.

Poetas como Richard Aldington (Troy’s Down, 1930); Hilda Doolittle (From Electra-Orestes, 1932-1934), Sylvia Plath (Electra on Azalea Path, 1959), James Merrill (Elektra: a translation, 1972), Marilyn (For Elektra, 1974) e Sally Purcell (Electra, 1977) evocaram de várias formas, em seus poemas, a versão euripidiana do mito de Electra. O mesmo ocorre em obras dos romancistas Henry Treece (Electra, 1963), Gladys Schmitt (Electra, 1965) e Kerry Greenwood (Electra: a delphic women mystery, 2013), e do escritor Rajiva Wijesinha, na peça Electra, publicada em 1986 e nunca representada.

Teatro

miniaturaUma encenação da Electra

Electra foi reapresentada, quase sempre em adaptações, do século XIX em diante, e.g. em 1858 (New York’s Academy of Drama; em 1906 e 1907 (Londres, Royal Court Theatre), baseada na tradução de Murray (infra), utilizada em diversas produções inglesas e americanas posteriores; em 1963 (King's College London), em grego antigo; em 1968, no Antigo Teatro de Siracusa, sob a direção de Davide Montemurri; em 1972 (Centaur Theatre, Montreal), sob a direção de Alan Barlow, com tradução de Philip Vellacott; em 1973 (Princeton University), dirigida pelo helenista Rush Rehm; em 1989 (Antigo Teatro de Epidauro), direção de Kostas Tsianos; em 2019 (Électre / Oreste, Paris, Comédie Française), direção de Ivo van Hove.

Os fragmentos da tragédia Orestes, o escravo, do tragediógrafo romano Pacúvio, têm vários elementos da Electra, assim como as peças Electra (1901), de Benito Pérez Galdós; A torre além da tragédia (1924), de Robinson Jeffers; Electra enlutada (New York, Guild Theatre, 1931), de Eugene O’Neill; Électre (Paris, Théâtre de l'Athénée, 1937), de Jean Giraudoux; Electra ou A queda das máscaras (publ. Paris, 1954), de Marguerite Yourcenar; e Clytemnestra (Veneza, Teatro di Venezia, 1986), do japonês Tadashi Suzuki. Em Após a Electra de Euripides (1911), do poeta e satirista inglês Maurice Baring, os personagens discutem e criticam desfavoravelmente uma representação dessa peça de Eurípides.

Cinema

Em 1962, Michael Cacoyannis dirigiu uma película, também intitulada Electra, notável pela relativa fidelidade ao original de Eurípides; em 1974, o diretor húngaro Miklós Jancsó recorreu a alguns temas da versão euripidiana em Szerelmem, Elektra, ‘Meu amor, Electra’.

Bibliografia

Keene 1893; Denniston 1939; Donzelli 2002; Cropp 2013; Luschnig & Roisman 2014, Luschnig 2015; Rehm 2021.