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As aves do lago Estínfale

ἕκτον ἐπέταξεν ἆθλον αὐτῶι τὰς Στυμφαλίδας ὄρνιθας ἐκδιῶξαι.

Para o sexto trabalho, 〈Euristeu〉 mandou-o expulsar as aves Estinfalianas.

O sexto dos 12 trabalhos de Héracles foi expulsar as Στυμφαλίδες ὄρνιθες, aves que infestavam o lago Estínfale.

Sumário

Olímpia, métopa 3 oeste

O lago Estínfale fica no extremo nordeste da Arcádia, junto ao Monte Cilene, não muito longe de Corinto; rico em aves e anfibios, é importante parada de aves migratórias.

As fontes antigas nada revelam sobre a natureza das aves e os problemas que causavam. Pisandro de Camiro informa que elas vieram da Cítia e que Héracles mandou-as de volta com o barulho de ‘castanholas’ (gr. sg. κρόταλον), sem matá-las; Ferécides diz que Héracles utilizou ‘chocalhos’ (gr. sg. πλαταγή) mas, assim como Helânico, afirma que logo depois ele matou as aves. Para os decoradores de vasos arcaicos, Héracles recorreu a uma atiradeira (e.g. Londres 1843,1103.40), ao arco (e.g. Viena IV 1841) ou, talvez, à espada ou à clava (Munique 1842)[1].

miniaturaHéracles e as aves estinfalianas

A esse arcabouço básico, mitógrafos e outros autores tardios juntaram alguns detalhes. Apolônio de Rodes revela que o instrumento usado por Héracles era de bronze e que o herói subiu a uma alta elevação para produzir o ruído; também associa, embora tenuamente, as aves estinfalianas às aves que os argonautas encontraram na ilha de Ares, capazes de lançar penas pontiagudas como dardos. Diodoro Sículo relata que as aves eram muito numerosas, que acabavam com as frutas das áreas vizinhas e que o próprio Héracles confeccionou o chocalho. [Apolodoro] acrescenta que o lago ficava no interior de denso bosque, que muitas aves ficavam ali para evitar os lobos e que Héracles recebeu, de Atena, castanholas confeccionadas por Hefesto. De acordo com Pausânias, o lago estava infestado de aves “devoradoras de homens” (gr. ἀνδροφάγους), muito semelhantes a aves enormes e selvagens que viviam na Arábia e atacavam com o bico até mesmo homens revestidos de armadura de bronze ou ferro. Ele imaginou, então, que essas aves poderiam ter migrado para Estínfale na época de Héracles.

Literárias: Pisandro F 5; Ferécides F 72; Helânico F 104a-b; Apolônio de Rodes 2.1052-7; Diodoro Sículo 4.13.2; [Apolodoro] 2.5.6; Pausânias 8.22.4-7. Iconográficas (seleção): Londres 1843,1103.40; Louvre F 387; Viena IV 1841; Munique 1842.

Variantes

Segundo Estrabon (8.6.8), Héracles utilizou tímpanos (gr. sg. τύμπανον) para fazer barulho.

Mnaseas[2] (F 8) racionalizou o mito: as estinfalides eram filhas do herói Estínfale e de sua esposa  Ὄρνιθος (“Ave”) e foram mortas por Héracles porque não o receberam bem, mas trataram os moliônidas com hospitalidade.

[Higino] (30) disse que Héracles matou as aves na ilha de Marte (sc. Ares)[3].

Influências e recepção

A julgar pelas fontes arcaicas, o mito é dos mais antigos e estava bem estabelecido em meados do século -VII. Como no caso dos estábulos de Augias, a dimensão heroica da façanha não é das mais expressivas; segundo Aston[4], ela está na categoria de “pest-control”.

miniatura Atena e Héracles, -456

Para os estinfalianos, no entanto, Héracles e as aves eram parte expressiva da identidade cultural de sua pólis, a julgar por moedas com efígies de Héracles e desenhos de aves cunhadas nos séculos -V e -IV. Havia também em Estínfale um santuário dedicado a Ártemis com imagens das aves no teto e estátuas de moças com pernas de aves[5], descrito por Pausânias no século II. As conexões entre o mito de Héracles, Ártemis e essas estátuas ainda não foram claramente esclarecidas.

O tema é incomum em obras de arte da Antiguidade, porém bem mais frequente do que as representações da aventura de Héracles nos estábulos de Augias; cenas de vasos, relevos (particularmente a métopa do templo de Zeus em Olímpia, supra), gemas, moedas e tapeçarias eram os suportes habituais.

Em nossos dias, há também algumas poucas obras. Cito as tapeçarias coptas produzidas entre o século VI e 1240; Albrecht Dürer (têmpera sobre tela, 1500); Willem Demoyen (tapeçaria, c. 1528); Jacob van der Borght, o Velho (1699, tapeçaria); Gustave Moreau (dois óleos sobre tela, 1872 e 1875-1880); Edgard Maxence (óleo sobre tela, c. 1893); Antoine Bourdelle (escultura de bronze, 1909); Paul Manship (estatueta de bronze, 1955); Édith Canat de Chizy (coral e violão, 2023).

miniatura Héracles contra as harpias, 1500

Na literatura, em geral o 6º trabalho é mencionado juntamente com outras façanhas de Héracles por autores gregos tardios como Plutarco, Quinto de Esmirna e Nono, e também por autores romanos: Ovídio, Lucrécio, Estácio, Sêneca (tragédias Medeia, Fenícias, Hércules em Fúria e Hércules no Eta), Sérvio e Boécio. Mais recentemente, a aventura serviu de inspiração para um conto policial de Agatha Christie (1939).

Monstros baseados nas aves estinfalianas apareceram também em populares jogos de computador ao longo das últimas décadas.

Bibliografia

Gibbons 1975, 102-15; Woodford 1990; Gantz 1993, 393-4; Stafford 2012, 37-8; Fowler 2013, 285-6; Aston 2021.