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Pseudo-Higino

Hyginus Fabulae - Poetica astronomica Hyg. Fab. - Poet. Astr. séc. II

Histórias e Astronomia são compêndios de mitos em latim, extraídos de fontes gregas e romanas mais antigas e incorretamente atribuídos ao erudito romano Higino.

N.b. Abordo excepcionalmente duas obras não gregas devido à sua importância para a mitologia grega.

Não conhecemos o autor ou autores dos dois textos, mas sabemos com certeza que não se trata do gramático romano Gaius Julius Hyginus (-64/17), o erudito bibliotecário da Biblioteca Palatina de Roma.

Os dois compêndios são textos didáticos em latim, escritos com estilo simples, em prosa, sem pretensão literária, para divulgação ou aprendizado.

Não é impossível que o texto original das obras tenha sido escrito em grego e posteriormente traduzido para o latim (Cameron 2004, p. 35-8).

Histórias

Em Fabulae, [Higino] reuniu 243 historietas[1] curtas, em prosa, em ordem mais ou menos genealógica. Todas se baseiam na mitologia grega e foram reunidas no início do século II. A maioria foi traduzida ou recontada de múltiplas fontes gregas e muitas parecem resumos de tragédias gregas perdidas; algumas envolvem mitos romanos, obtidos obviamente de fontes latinas.

Há várias divergências entre os mitos descritos e as fontes gregas usuais, contudo alguns dados e versões existem apenas neste compêndio de [Higino]. A origem ou fonte dessas variantes é desconhecida.

Em algum momento dos séculos IV-V o texto foi recopiado por alguém, modificado, resumido e provavelmente adquiriu o formato atual. O texto que chegou até nós tem várias lacunas, obscuridades e incorreções, em parte devido à incompetência do copista, em parte devido à má conservação do manuscrito.

Resumo

A numeração tradicional das historietas vai de 1 a 277, mas 34 delas se perderam. A primeira metade da obra é organizada de forma aproximadamente genealógica e cronológica, de acordo com os seguintes temas (Trzaskoma, Smith & Brunet 2016, p. 216):

Prólogo genealogia de deuses e monstros 1-11 Ciclo tebano antigo 12-27 Jasão e os Argonautas. Medeia 29-36 Hércules (= Héracles) 37-48 Mitos atenienses. Creta (Teseu e o minotauro) 66-76 Ciclo tebano, de Laio aos epígonos 77-127 Guerra de Troia e seus antecedentes

Muitas historietas da segunda metade do texto têm catálogos, alguns bem estranhos. Ao lado de listas de filhos de vários deuses (155-2 e 182) e dos amores de Júpiter / Zeus (176-9), por exemplo, são listados os 80 cães da matilha de Diana / Ártemis (181), os cavalos de Sol / Hélio e das Horas (183), quem inventou o quê (274) e assim por diante.

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

Havia um único manuscrito datado de c. 900, perdido após ser copiado e editado — não muito bem — por Jacob Molsheim para a editio princeps (Basileia, 1535). Foram posteriormente descobertos dois fragmentos dele, que compõem o Codex Monacensis 6437 da Biblioteca Arquiepiscopal de Munique. Há um pequeno fragmento independente, o Vaticanus Palatinus lat. (Biblioteca do Vaticano, sæc. V), e alguns escólios.

Edição padrão: Peter Marshall (Munique / Leipzig, 22002). Não dispomos de tradução completa da obra, mas várias fabulae foram traduzidas por Diogo Alves para sua dissertação de mestrado (Campinas, 2013).

Recepção

O Primeiro Mitógrafo do Vaticano (sæc. ix-x) utilizou o texto como fonte. Chrétien de Troyes inspirou-se nele para sua Philomène (final do sæc. xii) e Boccaccio também utilizou-o no Das mulheres famosas (1355-1359).

Astronomia

O autor do compêndio, conhecido por títulos diferentes mas similares (De astronomia, Poetica astronomica etc.) pode ser o mesmo Pseudo-Higino de Histórias, ou um outro Pseudo-Higino. A data da composição é incerta.

miniaturaA constelação de Hércules

De modo geral, as deficiências do texto são semelhantes às de Histórias.

O texto descreve a abóbada celeste e suas divisões, as constelações[2], o sol, a lua e os cinco planetas visíveis a olho nu — Vênus, Mercúrio, Júpiter, Saturno e Marte — e relata 42 mitos gregos a respeito das constelações e planetas.

Várias fontes são mencionadas, mas utilizou-se basicamente traduções de Catasterismos, de [Eratóstenes], versões latinas de Fenômenos, de Arato, um tratado de astrologia de Nigidis Figulus (-99/-45) e outras fontes latinas.

Os dados astronômicos são amplos e detalhados, para a época, e têm sido estudados nos últimos anos. Os mitos das estrelas e constelações quase sempre descrevem um “catasterismo”, transformação de um personagem em estrela ou constelação. Muitos mitos de Astronomia têm semelhanças com os mitos correspondentes de Histórias.

Resumo

O texto original era dividido, talvez, em três livros. Nenhum manuscrito assinala ou marca, no entanto, essas divisões; edições impressas modernas têm, contudo, o texto organizado artificialmente em quatro livros:

Livro 1 Dedicatória a "M. Fabius". Prefácio com o plano cosmográfico da obra Livro 2 Mitos associados a constelações, planetas e Via Láctea, divididos em zonas separadas pelos círculos celestes Livro 3 Descrição e localização das constelações na abóbada celeste, com catálogo e posição das estrelas de cada constelação Livro 4 Os sete círculos celestes, posição das constelações em cada círculo, seu aparecimento e desaparecimento no céu em relação aos signos do zodíaco, movimentos do sol, da lua e dos planetas

O texto está inacabado e termina provavelmente antes de [Higino] discutir o ciclo metônico.

Manuscritos, edições e traduções

Há grande quantidade de manuscritos, agrupados em duas famílias. Do século XI em diante, ilustrações (iluminuras) foram incluídas em alguns manuscritos.

miniaturaMs. Baltimore 734,
sæc. xii

Dois dos mais importantes são o Reginensis lat. 1260 (Vaticano, Biblioteca Apostólica, sæc. ix), dentre os não iluminados, e o Vossianus lat. 8º 15 (Biblioteca da Universidade de Leiden, c. 1025) dentre os iluminados.

A editio princeps foi publicada por Agostino Carnerio (Ferrara 1475) e a primeira edição ilustrada, por Erhard Ratdolt (Veneza, 1482). Há duas boas edições modernas, a de Ghislaine Viré (Stuttgart e Leipzig, 1992) e a de Le Boeuffle (Budé, 1983). Não há traduções para o português.

Recepção

Astronomia desfrutou de grande popularidade entre estudiosos, astrônomos e astrólogos durante a Idade Média.

Uma pequena cratera lunar (7.8°N 6.3°E) e um asteroide, o 12155 Hyginus, foram nomeados em homenagem ao pretenso autor de Astronomia.