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O javali do Erimanto

τέταρτον ἆθλον ἐπέταξεν αὐτῶι τὸν Ἐρυμάνθιον κάπρον ζῶντα κομίζειν·.

Para o quarto trabalho, 〈Euristeu〉 ordenou-lhe trazer, vivo, o javali do Erimanto.

No quarto dos 12 trabalhos para Euristeu, Héracles teve que capturar um feroz javali e, ainda, teve tempo de participar de duas aventuras paralelas.

Sumário

Olímpia, métopa 7 leste

O javali do Erimanto (gr. Ἐρυμάνθιος κάπρος), aparentemente, nada tinha de monstruoso; era apenas um animal grande e feroz que se escondia no Monte Erimanto, situado na região noroeste da Arcádia, de onde atacava e devastava a vizinhança, notadamente Psófis[1].

O núcleo básico do mito estabeleceu-se desde o começo. Nos relevos e cenas de vasos mais antigos, Héracles enfrenta um javali, em geral com com sua clava, depois o carrega nos ombros e leva, ainda vivo, até Euristeu; o rei, assustado com o tamanho e ferocidade da fera, refugia-se em um enorme pito. Herodoro e Apolônio de Rodes não mencionam o pito de Euristeu e dizem que o herói deixou o javali nos portões (Herodoro) ou na ágora (Apolônio de Rodes) de Micenas; Apolônio especificou que Héracles se valeu de correntes para conter o animal após a captura.

miniaturaHéracles, o javali e
Euristeu

Os mitógrafos tardios imaginaram detalhes adicionais para essa aventura: Pausânias diz que o javali era maior e mais forte do que os demais; Ovídio, que era muito pesado; [Claudiano], que seu couro era negro; Diodoro Sículo reitera que ele tinha de ser levado vivo; Virgílio alude às densas matas do Erimanto, onde o animal se escondia; [Apolodoro] conta que o herói espantou o animal, gritando, de uma moita até uma área com neve profunda e capturou-o com uma rede. Polieno detalha a estratégia de Héracles, que surpreendeu o javali enquanto dormia, assustou-o com pedradas e pegou-o quando ele se atrapalhou com a neve.

Nenhuma das fontes informa explicitamente o que houve com o javali depois da “entrega” a Euristeu; algumas imagens (e.g. [Ilum. 1487], infra) e a tardia história de suas presas estarem no templo de Apolo em Cumas sugerem que ele provavelmente foi sacrificado[2].


Iconográficas (seleção): Londres 1836,0224.93 e 1843.11-3.64; Olímpia E 161; Madri 10915; Malibu 86.AE.83; Louvre F59; Nova York 06.1021.88.
Arcaicas e clássicas: Hecateu F 6; Sófocles, Traquínias 1097; Herodoro F 24.
Posteriores: Diodoro Sículo 4.12.1-2; Virgílio, Eneida 6.802-3; Ovídio, Metamorfoses 9.191-2 e Heroides 9.87-8; [Apolodoro], Biblioteca 2.5.4; Polieno 1.3.2; Pausânias 8.24.5; Sêneca, Hércules em Fúria 228-9; [Claudiano], Elogio de Hérculesus 103-17; Quinto de Esmirna 6.220-2;

Variantes

Segundo Herodoro (F 24) e Apolônio de Rodes (1.122-32), Héracles deixou o javali na entrada da ágora de Micenas.

Em [Apolodoro] 2.5.1, Euristeu escondeu-se no pito por ocasião da aventura do leão de Nemeia e deixou-o disponível para os demais trabalhos.

Um anônimo epigrama (Antologia Palatina 16.92.3), [Higino], Ausônio (Éclogas 24), outros autores tardios e algumas moedas helenísticas e romanas dizem que Héracles matou o javali; Marcial (9.101.6) afirma que ele usou a pele do leão por cima da pele do javali. Dracôntio (Romuleia 2.96) conta que a pele de javali era usada por Hilas, o jovem escudeiro de Héracles durante sua aventura com os argonautas.

Algumas cenas de vasos[3] sugerem que o jovem Iolau ajudou o tio.

Uma métopa arcaica de Cálidon, Etólia, e uma cena de vaso em Ferrara talvez associem Héracles e o javali ao local. Para Sêneca (Hércules em Fúria) e [Claudiano], o javali era de Maínalos, Arcádia; Herodoro, Apolônio de Rodes e Diodoro Sículo mencionam o Monte Lampeia, na mesma região; e Ovídio, Tegeia.

Durante o quarto trabalho, Héracles teve duas aventuras ‘paralelas’ (gr. πάρεργα):

  1. Héracles contra os centauros
  2. Héracles e os argonautas

Influências e recepção

O poeta da Odisseia recorda que o Erimanto era uma região com muitos javalis, a quem a deusa Ártemis prazerosamente caçava[4], e a associação entre Héracles e um javali feroz nessa região parece bastante natural. As fontes mais antigas são puramente iconográficas e datam de meados do século -VI, época em que os principais elementos do mito estavam já consolidados.

miniaturaHéracles carrega o javali

A iconografia é abundante durante o Período Arcaico e há numerosas representações de Euristeu refugiado no pito, diante de Héracles e do javali, notadamente nos vasos arcaicos de figuras negras. Durante o Período Greco-romano, representações de Héracles dominando o javali em outros suportes, como relevos (Ilum. 1485, ao lado), jóias, estatuetas, medalhões (Ilum. 1488, infra) e moedas se tornam mais comuns.

A literatura antiga sobre o episódio (Hecateu, Sófocles e Herodoro) é escassa e mais recente do que as imagens; a primeira associação direta entre Héracles e o javali, bastante telegráfica, é de Sófocles (Traquínias 1097). O desenvolvimento da história e vários detalhes estão presentes somente nos mitógrafos tardios. Assim como em Sófocles, as menções ao trabalho nos poetas gregos e romanos tardios são curtas e incidentais.

A recepção moderna do episódio também não é muito expressiva e praticamente se restringe às obras de arte. Em nossos dias, só se vê estatuetas, gravuras, jóias e pinturas com Héracles e o javali, em geral sem a presença de Euristeu e seu pito. Uma estatueta criada por Giambologna antes de 1576, mostrando o herói carregando o javali sobre o ombro esquerdo, tornou-se popular e foi copiada muitas vezes nos séculos seguintes. Algumas outras representações: Gabriel Salmon (c. 1528, gravura); Lucas Cranach, o Velho (1537-1553, pintura); Francisco de Zurbarán (1634, pintura); John Flaxman (1790, placa de jaspe); Louis Tuaillon (escultura de bronze, 1904).

Na literatura, de importância há apenas um conto policial de Agatha Christie, “O javali do Erimanto” (1940). Curiosamente, o javali é uma das criaturas míticas presentes em um video game de 2018, Assassin's Creed Odyssey.

Bibliografia

Gibbons 1975, 338-66; Felten 1990; Gantz 1993, 389-90; Stafford 2012, 36; Fowler 2013, 278-9; Ogden 2021.