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Nice e outros filhos de Estige

ΝίκηVictoria

A deusa grega Nice, filha de Estige e Palas, personifica a vitória em tempos de paz ou de guerra.

A oceânide Estige, filha dos titãs Oceano e Tétis, uniu-se a Palas, filho do titã Crio e de Euríbia, filha de Ponto, e teve quatro filhos: Zelo, Crato, Bias e Nice.

Estige, Zelo, Crato e Bias

A importância de Palas (gr. Πάλλας) se restringe à sua função gerativa, mas Estige (gr. Στίξ) e os filhos do casal partiparam da titanomaquia, tendo sido os primeiros a atender a convocação de Zeus.

0666-genealogia-Crio-Euríbia-Oceano-Tétis

Todos os quatro filhos de Estige e Palas são entidades abstratas que representam as qualidades que Zeus necessitava para vencer os titãs: Zelo (gr. Ζῆλος) representa o ardor; Crato (gr. Κράτος), o poder; e Bias (gr. Βίας), a violência. Nice, a única filha, personifica a vitória de Zeus e, por extensão, a vitória em todas as disputas.

Depois da titanomaquia, os filhos de Estige se tornaram extensões dos atributos divinos do “pai dos deuses”, o grande vencedor da guerra.

Estige, honrada por Zeus pela participação da família no esforço de guerra, se tornou a sagrada água em nome da qual os deuses pronunciavam seus juramentos.

Nice

miniaturaA Nice de Delos

Nice (gr. Νίκη) não participa diretamente de nenhuma das histórias antigas.

O poeta Nono (sæc. V), é o único a contar uma história na qual Nice tem papel ativo. Ao descrever a luta de Zeus contra Tífon no livro 2 da Dionisíaca, relata que Nice assumiu a forma de Letó para instigar Zeus à luta (205-36); ela tinha um escudo, que ergueu para defender o pai (418-9), e também dirigiu sua carruagem (701-2).

De acordo com Baquílides (11.1-7), ela tem assento ao lado de Zeus e julga a ‘excelência’ (gr. ἀρετή) de mortais e imortais; para Píndaro (Nemeia 5.42), o vencedor caía em seus braços.

Genealogia: a fonte principal é Hesíodo (Teogonia 383-403), secundado por Apolodoro (Biblioteca 1.2.4-5). Nice: boa parte das informações concretas sobre a associação de Nice com a vitória vem de Baquílides (e.g. 11.9-14) e de numerosas citações de Pausânias.

Iconografia e culto

Como personificação e símbolo da vitória, Nice tem significativa importância iconográfica e cultual. Sua principal característica eram as asas (Aristófanes, Aves 574), mas a deusa nem sempre era representada durante o voo; em algumas esculturas, ela simplesmente corria [Ilum. 0869]. Às vezes ela era representada dirigindo bigas e quadrigas [Ilum. 1364].

Imagens femininas aladas (vasos, estatuetas, etc.) sem identificação específica quase sempre representam Íris ou Nice (às vezes, Éris) e muitas são chamadas, nem sempre corretamente, de “vitórias”. As duas mais célebres representações de Nice com asas são a Nice de Peônio, de -421, e a Vitória de Samotrácia, de -200/-190.

miniaturaA Nice de Samotrácia

Vitoriosos em batalhas ou competições frequentemente lhe dedicavam, em muitos lugares, obras de arte em agradecimento. Em Olímpia, Nice era associada a Zeus em seu templo; em Atenas, era identificada com a deusa Atena, e não com Zeus. Reflexo disso é a célebre escultura de Fídias para a naos do Parthenon, que representava Atena com uma pequena Nice na mão direita [Ilum. 0280].

Havia em Atenas, de acordo com Pausânias (1.22.4), o templo da Νίκη Ἀπτέρου, 'Nice sem asas', assim chamado por causa da imagem de madeira (ξόανον) da deusa (5.26.6) com uma romã na mão direita (Suda ν.384, s.v. Νίκη Ἀθηνᾶ).

Em Olímpia ela era provavelmente cultuada juntamente com Zeus, em seu grande templo. Nas ocasiões apropriadas, os atenienses usavam seu nome como um dos epítetos de Atena, “Atena Nice”, e a cultuavam no belo e pequeno templo na parte sudoeste da acrópole [Ilum. 0774]. A imagem da deusa não tinha asas, para que ela nunca deixasse a pólis (Pausânias 3.15.7).

Recepção

f0190-crato-bias-prometeu
Fig. 0190. Crato e Bias seguram os braços de Prometeu.

Crato e Bias são personagens do Prometeu Acorrentado, tragédia de meados do século -V atribuída a Ésquilo, na qual representam o poder de Zeus. Crato e mais raramente Bias às vezes aparecem em pinturas e ilustrações modernas do Prometeu (Fig. 0190).

Associada comumente à vitória em guerras (e.g. Sófocles, Antígona 148-51), Nice foi muitas vezes representada em moedas que evocavam vitórias nos jogos atléticos. Em geral a deusa aparece voando sobre o vencedor, com uma coroa nas mãos. Giuseppe Cassioli (1865-1942) utilizou esse tema no logotipo das Olimpíadas de 1928 e durante muito tempo ela foi representada assim no anverso nas medalhas olímpicas.

miniaturaNice coroa um vencedor

Na literatura antiga, Nice era evocada com frequência por Baquílides (e mais raramente por Simônides e por Píndaro) ao cantar vitórias em jogos atléticos. Inspirou também um dos hinos órficos (nº 33) nos séculos II/IV, no qual o poeta a qualifica de θνητοῖσι ποθεινήν, ‘desejada pelos mortais’ (33.1).

Em nossos dias, a versão transliterada de Νίκη deu nome à ubíqua companhia de equipamentos esportivos Nike. O nome da deusa está também no radical de alguns nomes próprios muito utilizados, e.g. Nicolau, Nicholas, Nikita e numerosos outros diminutivos.