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Os primeiros reis de Atenas

Os primeiros reis de Atenas são muito pouco conhecidos, ocasionalmente mencionados nas fontes antigas sobreviventes.

miniaturaCécrops I, Erictônio e cecrópidas

Acteu (gr. Ἀκταῖος), Cécrops, Crânao (gr. Κραναός) e Anfictíon (gr. Ἀμφικτυών) são figuras de pouca expressão nas fontes antigas.

Acteu teria sido o primeiro rei da Ática; Cécrops, o primeiro rei de Atenas; Crânao e Anfictíon governaram Atenas brevemente, depois de Cécrops e antes de Erictônio.

Todos eles eram considerados autóctones pelos mitógrafos dos Períodos Helenístico e Greco-romano, e responsáveis pela implantação de vários costumes e instituições. Apenas Cécrops — o “Cécrops I” da lista canônica de reis atenienses (Castor de Rodes F 4) — e suas filhas têm mitos razoavelmente estabelecidos.

Cécrops I

LISTA DOS REIS

Cécrops I
Crânao
Anfictíon
Erictônio
Pandíon I
Erecteu
Cécrops II
Pandíon II
Egeu
Teseu
Menesteu
Demofonte
Oxintes
Afeidas
Timoetes
Melanto
Codro

Cécrops (gr. Κέκροψ) tinha a parte inferior do corpo em forma de serpente, como outros personagens nascidos da própria terra[1]. A ele foram atribuídos a instituição do casamento, a divisão da Ática em várias comunidades e os sacrifícios a Zeus com bolos, sem vítimas.

Quando Atena e Posídon competiram pelo patrocínio de Atenas, Cécrops arbitrou a disputa a favor de Atena, que dera aos atenienses a oliveira, uma das bases da riqueza da Ática, enquanto Posídon havia criado uma fonte de água salgada com seu tridente [Ilum. 1208j].

Com Aglaulo (gr. Ἄγραυλος), filha de Acteu, Cécrops teve três filhas, Aglauro, Herse e Pandroso, as cecrópidas, importantes personagens do mito de Erictônio. Teve também um filho, Erisíquion (gr. Ἐρυσίχθων), que morreu antes do pai e não teve filhos.

Cécrops foi então sucedido por Crânao, não aparentado a ele. Crânao foi posteriormente deposto por Anfictíon, filho de Deucalião e Pirra, que por sua vez foi expulso por Erictônio, filho de Hefesto e de Gaia.

Erictônio e as cecrópidas

miniaturaO nascimento de Erictônio

Erictônio (gr. Ἐριχθόνιος) era autóctone, como seus antecessores, e as circunstâncias de seu nascimento são peculiares. O deus Hefesto certa vez se apaixonou pela deusa Atena e, cheio de desejo, tentou seduzí-la, mas foi rejeitado com firmeza. Seu sêmen caiu sobre o solo, fecundou Gaia e, quando essa criança acidentalmente gerada nasceu, Gaia a entregou a Atena [Ilum. 1216]. A deusa colocou o pequeno Erictônio em uma caixa, guardado por duas serpentes, e encarregou as filhas de Cécrops de cuidar dela, mas sem abrí-la.

As três moças ou talvez apenas duas delas, Aglauro e Pandroso, não resistiram à tentação. Ao ver o que havia dentro da caixa [Ilum. 1217], enlouqueceram — ou foram acometidas de imensurável terror — e pularam do alto da acrópole [Ilum. 1214b] para a morte. Antes, porém, Pandroso teria se unido a Hermes e gerado Cérix, ancestral de importante família de Elêusis; Aglauros e Ares tiveram uma filha, Alcipe; e Hermes e Herse tiveram Céfalo, personagem que aparentemente nada tem a ver com o futuro marido de Prócris, filha de Erecteu.

Após a morte de Cécrops, Erictônio tornou-se rei — diretamente ou após expulsar Anfictíon —, estabeleceu o culto de Atena na acrópole e as primeiras Panateneias, e também inventou a quadriga. O filho de Erictônio, Pandíon (gr. Πανδίων), o primeiro desse nome, também assumiu o trono quando o pai morreu e teve quatro filhos: Butes, Erecteu, Filomela e Procne.

Quem herdou o trono de Atenas foi Erecteu, que emprestou o nome à família dos Erectidas.

A disputa entre Atena e Posídon foi descrita sucintamente por Heródoto (8.55) e por Platão (Mx. 237c), e mencionada por Xenofonte (Mem. 3.5.10). Atidógrafos como Helânico (F 39), Androtion (F 1), Filocoro (F 106) e Ameleságoras de Atenas (F 1) devem ter contado de forma sistematizada os mitos dos reis mais antigos e de seus familiares, mas quase tudo se perdeu. Dispomos, no entanto, das versões posteriores de Castor de Rodes (F 4), do Pseudo-Eratóstenes (Cat. 13) e de escritores tardios como o Pseudo-Apolodoro (3.14.1-2 e 5-7), Pausânias (1.2.5-6, 1.18.2, 8.2.3) e Plutarco (Thes.). Há breves menções aos reis em textos arcaicos e clássicos: Danaida (F 2), Píndaro (F 253), Heródoto (8.44), Ésquilo (Eu. 1011), Eurípides (Ion 9-26, 232, 260-82, 999-1009 e 1163-4), Aristófanes (Av. 123; V. 238) e Êupolis (F 159). O ataque de Hefesto a Palas Atena pode ter sido descrito por Eurípides em drama perdido (F 925) e por Calímaco no poema Hécale (F 70; ΣA Il. 2.247); Platão certamente conhecia essa história (Ti. 23e), mas até agora só temos o relato do Pseudo-Eratóstenes.

Iconografia

Cécrops e sua cauda de serpente aparecem em cenas de vasos de -490 em diante [Ilum. 1214] e no frontão oeste do parthenon [Ilum. 1208i]). A cecrópidas, figuras femininas sem atributos específicos, estão quase sempre por perto. Supõe-se, sem elementos conclusivos, que algumas cenas de vasos de figuras vermelhas podem representar Hermes perseguindo Herse [Ilum. 1225].

A disputa entre Atena e Posídon foi representada no frontão oeste do Parthenon [Ilum. 1208j] e, talvez, em uma cena de vaso no Período Clássico. Pausânias (3.18.13) disse que Baticles de Magnésia (fl. -550) esculpiu Hefesto perseguindo Atena nos relevos do trono de Apolo no santuário de Amiclas, Lacônia, mas eles ainda não foram encontrados.

Gaia emergindo do solo e entregando o bebê Erictônio a Atena, muitas vezes na presença de Cécrops e de outros deuses, é cena representada em vasos [Ilum. 1216] e também em um relevo [Ilum. 1224] atribuído a Alcamenes (c. -430). A abertura da caixa com Erictônio pelas cecrópidas aparece em diversos vasos de figuras vermelhas [Ilum. 1216].

Variantes principais

Mitógrafos tardios (Ant. Lib. 6; Ov. Met. 7.398-401) contam que Atenas teve outro rei autóctone antes de Cécrops: Perifas (gr. Περίφας), que Zeus teria transformado em águia. Para Diodoro Sículo (1.28.6-7), Cécrops era um imigrante egípcio que se tornou rei e os atenienses eram originários de Saís, Egito.

Segundo Homero (Il. 2.547-8), a deusa Atena teria criado Erecteu, e não Erictônio; talvez ambos tenham sido, originalmente, uma só pessoa (ΣA Il. 2.247).

Em cena de vaso de figuras vermelhas atribuído ao Pintor de Ampúrias (-490), Cécrops tem a parte inferior do corpo de peixe, não de serpente; em outro vaso, de estilo semelhante ao do Pintor de Castelgiorgio (-480), ele foi aparentemente representado como ser humano normal. Para mitógrafos posteriores ao século II (e.g. Hyg. Astr. 2.13; Nonn. D. 41.58-64; Σ Pl. Ti. 23e), Erictônio era também parte homem, parte serpente.

Xenofonte (Mem. 3.5.10) diz que os deuses julgaram a disputa entre Atena e Posídon no tribunal de Cécrops; para Ovídio (Met. 70-82), ela foi mediada pelos doze deuses do Olimpo. O Pseudo-Apolodoro (3.14.1) lembra, além dessa, outras versões para a identidade do juiz: Crânao e Erisícton.

Em relação às cecrópidas, Eufórion (F 9) disse que Herse abriu a caixa; para Ovídio (Met. 2.552-61), foi Aglauro; para o Pseudo-Apolodoro (3.14.6) e Pausânias (1.18.2), Aglauro e Herse; para Eurípides (Íon 273-4) e Pseudo-Higino (Fab. 166), as três. De acordo com cenas de vasos (e.g. o do Pintor de Castelgiorgio) e Pausânias (1.18.2), elas não pularam para a morte, foram perseguidas e destruídas pelas serpentes.

Há algumas histórias e muitas variações sobre o relacionamento entre as cecrópidas, Hermes e Ares. Para Pausânias (1.38.3), por exemplo, foi Aglauro quem se uniu a Hermes e gerou Cérix.

Culto e influência

Cécrops é um dos heróis epônimos escolhidos por Clístenes no final do século -VI e era cultuado no erecteion de Atenas. Inscrições (IG I3 474.59-63; II2 1156) e uma passagem de Eurípides (Ion 1400) sugerem que pode ter sido também cultuado em uma gruta e em um túmulo. Seu sucessor, Erictônio, que aparentemene não recebia nenhum culto em particular, era talvez homenageado juntamente com Atena, na acrópole, ou durante as panateneias.

Aglauro tinha santuário próprio ao pé da acrópole (Hdt. 8.53; Paus. 1.18.2). Aglauro, Herse e Pandroso eram cultuadas no erecteion, onde ademais se mostrava restos da oliveira plantada por Atena e a marca do tridente de Posídon em uma rocha. É possível que Pandroso fosse também cultuada em um pequeno templo ao lado do erecteion (Paus. 1.27.2). Meninas ofereciam sacrifícios a Herse durante um dos festivais atenienses, a 'arreforia' (gr. Ἀρρηφόρια), associado ao templo de Pandroso[2] e ao culto da deusa Atena.

Esses mitos, no século -V, embasaram e influenciaram as alegações atenienses relativas à sua autoctonia (Räuchle, 2015). Eurípides menciona os antigos reis atenienses em diversas passagens do Íon e pode ter se valido do mito do nascimento de Erictônio em um de seus dramas perdidos (F 925), e o mesmo fez Calímaco no poema Hécale.

Ver imagens nos links externos

A cena da descoberta de Erictônio pelas cecrópidas, na versão de Ovídio, inspirou vários pintores renascentistas. A versão ovidiana da união de Hermes com Herse também inspirou pinturas (e.g. Van Poelenburgh, c. 1635) e ricas tapeçarias (e.g. Pannemaker, c. 1570; Janssens & Spierinckx, 1670/1679).