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Ésquilo / Fragmentos satíricos

FragmentaAesch. F

Conhecemos apenas alguns trechos de cerca de 20 dramas satíricos de Ésquilo, todos em estado fragmentário.

Sumário

Nossa perda é grande: de acordo com os antigos, os dramas satíricos de Ésquilo só perdiam para os de Pratinas e Aristias.

Segue uma seleção dos dramas mais importantes e, como no caso das tragédias fragmentárias, muitos deles não podem ser datados.

As amas de Dioniso

Τροφοί (F 246a-d) é talvez o quarto drama da tetralogia que continha as tragédias Sêmele (ou Aguadeiras), Cardadoras e Penteu, representada um pouco antes de -460 (Ribeiro Jr." 2013, p. 60).

No enredo, Medeia possivelmente rejuvenesce as antigas amas de Dioniso e seus envelhecidos maridos, os sátiros, fervendo seus pedaços no caldeirão mágico (F 246a). Rejuvenecidos, sátiros e ninfas voltam a celebrar Dioniso com cantos, danças, vinho etc.

Uma cratera-sino ática de figuras vermelhas de -460 (Ancona 3198) mostra um sátiro envelhecido conduzido até um caldeirão.

Amímone

Ἀμυμώνη (F 13-15) é parte da tetralogia das Danaides, representada entre -467 e -459. Essa tetralogia continha as tragédias Egípcios, Suplicantes e Danaides.

De acordo com o mito (Apolodoro, Biblioteca 2.14), Amímone foi enviada pelo pai, Dânao, em busca de água. Molestada por um sátiro, é salva por Posídon, com quem teve posteriormente relações consensuais.

miniaturaAmímone assediada por sátiros

Enredo provável: a bela e indefesa Amímone, intimidada e assediada por Sileno e pelo Coro de sátiros, foi salva pela chegada de Posídon. No final, a futura união voluntária da jovem com o deus era celebrada com cantos e danças.

Diversos vasos de figuras vermelhas têm cenas compatíveis com o drama satírico e podem ter sido inspirados por ele.

Esfinge

Σφίγξ (F 235-7) é o drama satírico da tetralogia que compreende as tragédias Laio, Édipo e Sete contra Tebas e obteve o primeiro prêmio em -467. Os personagens são o coro de Silenos, a Esfinge e, provavelmente, Édipo.

Em uma das reconstruções mais prováveis, os silenos posavam de arautos tebanos para tentar receber a recompensa prometida por Creonte e a Esfinge apresentou-lhes o enigma, que eles obviamente não conseguiram resolver. Todavia, antes de serem devorados, Édipo aparece e os salva.

miniaturaOs silenos e a esfinge

O drama satírico inspirou a iconografia de uma hídria de figuras vermelhas de -470/-460 [Ilum. 1459] que mostra o coro de silenos e a esfinge.

Glauco, o deus marinho

O drama satírico Γλαῦκος πόντιος (F 25c-34) é de data indeterminada e nenhuma tetralogia foi vinculada a ele.

Segundo Pausânias, Glauco era um pescador da Beócia que se tornou divindade marinha após ingerir uma erva. A figura dos deus, ao emergir, era impressionante e ele era capaz de predizer o futuro.

No drama havia um pastor / vaqueiro que falava sobre o deus e sua história (F 26e; 28-9). O deus aparecia posteriormente, talvez com a barba recoberta de conchas, mexilhões e ostras (F 34). Os sátiros se amedrontam, mas devem ter consultado o deus sobre o futuro ou sobre eventos que eles ignoravam e a plateia conhecia bem, o que tem possibilidades humorísticas.

Pescadores de rede

A data de Δικτυουλκοί (F 46a-47c) é ainda disputada (-490? -460?). Sabe-se que era parte de uma tetralogia composta pelas tragédias Fórcides e Polidectes (a terceira é desconhecida), porém é o drama satírico esquileano mais bem conhecido, com dezenas de versos completos. Estima-se que sua extensão ultrapassa a do Ciclope de Eurípides.

Personagens: Sileno, coro de sátiros, Dictis, um pescador, bebê Perseu (certamente um boneco).

O enredo dramatiza a chegada de Dânae e do bebê Perseu à ilha de Sérifos. Um pescador pega algo grande em sua rede, chama Dictis e ambos tentam puxar o objeto, uma grande caixa, até a praia. Dictis clama por ajuda, e provavelmente Sileno e os sátiros entram em cena. Dictis sai, por alguma razão, e os sátiros abrem a caixa, encontrando Dânae e o bebê.

A jovem desperta a luxúria dos sátiros e Dânae teme um destino pior do que a morte; para acalmá-la e cativá-la, Sileno propõe se tornar o pai do pequeno Perseu, que será criado como um sátiro, e chega até a entoar um acalanto... Os fragmentos acabam nesse ponto, mas acredita-se que Dictis chegava a tempo de salvar Dânae.

Prometeu

De acordo com o argumento da tragédia Persas, na quarta parte da tetralogia Ésquilo apresentou um drama intitulado Prometeu (Προμηθεύς), mas não há consenso sobre o título, sobre o número de dramas satíricos que tratam de Prometeu e sobre a distribuição dos fragmentos conhecidos entre eles.

Fontes antigas atribuem citações e fragmentos a um Prometeu ateador do fogo (πυρκαεύς, F **204a-**207a), a um Prometeu portador do fogo (πύρφορος, F 208-9) e, ainda, a um Prometeu (F 187a-89), sem especificações.

miniaturaOs sátiros, Prometeu e o fogo

Acho improvável que Ésquilo tenha escrito mais de um drama satírico baseado no mesmo tema e considero, por enquanto, que havia um único drama satírico com Prometeu, os sátiros e, possivelmente, Pandora. Aparentemente os sátiros ficam maravilhados com o fogo, celebram seus benefícios e a dádiva de Prometeu (F 204a), mas quase se queimam (F 187a e 206-7). Não sabemos qual a participação de Pandora (F 207b).

Numerosos vasos de figuras vermelhas que representam Prometeu e os sátiros lidando com o fogo podem ter se inspirado no drama satírico de Ésquilo.

Proteu

Πρωτεύς (F 210-15), drama satírico que encerrou a apresentação da Oresteia em -458, era certamente a versão satírica do relato de Menelau sobre seu encontro com o antigo deus, descrito na Odisseia (4.351-580).

Muitos eruditos arriscaram diversas hipóteses sobre o enredo, mas são apenas conjeturas baseadas nos elementos do mito.

Eis aqui mais uma: os sátiros intermediavam o encontro entre Menelau e o antigo deus do mar, papel que Idoteia, filha de Proteu, desempenha no mito (é possível, no entanto, que Idoteia também fosse um dos personagens do drama, cf. F 212). As trapalhadas dos sátiros e seu espanto diante da capacidade de Proteu mudar de forma, como vimos no Glauco, o deus marinho, podem ter sido a base do drama satírico.

A sagrada delegação

Também conhecido por Os competidores dos Jogos Ístmicos (Θεοροὶ ἢ Ἰσθμιασταί, F 78a-82), foi representado em meados do século -V. Não há tetralogia vinculada a ele, todavia pode ter acompanhado a tragédia As Sacerdotizas. Dispomos de uma centena de versos.

A cena se passa em Ístmia, por ocasião dos Jogos Ístmicos, diante do templo de Posídon. Os personagens são o coro de sátiros, Sileno, Dioniso e o novo protetor dos sátiros. Em síntese, os sátiros fogem de Dioniso, insatisfeitos com sua posição, e são convencidos por alguém (talvez outra divindade) a abandonar o deus e a treinar, sob sua proteção, para as provas atléticas. Eles são logo encontrados por Dioniso, se refugiam no templo de Posídon e, após elaborados debates, se reconciliam com o deus e retornam ao seu serviço.

Há vasos que mostram sátiros em atividades atléticas, mas não é possível vincular essas imagens ao drama satírico.

Mais alguns dramas notáveis

A libertação dos sátiros da dominação de um “ogro” poderoso e opressor, tema presente no drama Esfinge, também ocorre em outros dramas satíricos. No Cercíon (F 102-*107), por exemplo, esse facínora obrigava os passantes a lutar consigo e os matava, até Teseu liquidá-lo e libertar os sátiros; no Licurgo (F 124-6), quarta parte da tetralogia que continha Edonianos, Bassaridas e Os Jovens, o rei trácio se opunha à implantação do culto de Dionísio e retinha os sátiros, libertados pela intervenção do deus; no Circe (F 113a-115), Odisseu provavelmente libertava os companheiros metamorfoseados em animais e os sátiros do domínio da feiticeira.

Em A sagrada delegação e As amas, os sátiros tentam fazer coisas contrárias à sua natureza e as executam de forma canhestra. Há vários dramas desse tipo, entre eles O leão (F 123), no qual os sátiros roubam as armas de Héracles, tentam matar o leão de Nemeia e precisam ser salvos pelo herói, e Arautos (F 108-13). Nesse último, os sátiros possivelmente usurpam o papel dos arautos do rei Ergino e quase têm os narizes cortados por Héracles.

Edições e traduções

As principais edições modernas dos fragmentos satíricos de Ésquilo são a de Stefan Radt (TrGF, 1985) e a de Antje Wessels e Ralph Krumeich (1999).

Dispomos apenas da tradução para o português de alguns fragmentos mais extensos do Pescadores de Rede (Aun 2009) e de todos os fragmentos de Esfinge (Ribeiro Jr. 2021).