A troca de mensagens por escrito é, certamente, tão velha quanto a própria escrita, e há numerosos exemplos nas civilizações da Antiguidade[1], inclusive na Grécia Antiga.
Nos territórios gregos, nenhum exemplar foi descoberto entre as tabuinhas do Período Micênico, mas uma referência nos poemas homéricos (Ilíada 6.168-70) sugere que, no final da Idade das Trevas, as classes mais elevadas faziam uso delas:
(...) πόρεν δ' ὅ γε σήματα λυγρὰ
γράψας ἐν πίνακι πτυκτῷ θυμοφθόρα πολλά,
170
δεῖξαι δ' ἠνώγειν ᾧ πενθερῷ (...)
(...) e (lhe) deu maléficos sinais,
tendo escrito muitas palavras mortais nas tabuinhas dobradas,
170
e mandou mostrar ao sogro dele (...)
Essa mítica carta, enviada por Preto a Iobates através do herói Belerofonte, é recurso narrativo utilizado inicialmente por Homero e adotado no Período Clássico pelos poetas trágicos (ver Hirata 2000/2001) e também pelos historiadores. Heródoto, Tucídides e Xenofonte são fontes secundárias de “cartas” mais ou menos verossímeis trocadas entre vários indivíduos de relevância histórica, conhecidas somente pela tradição que preservou a obra desses autores.
Fora do âmbito da literatura e da história, muitas cartas simples e sem finalidade literária, enviadas / recebidas por pessoas comuns, foram recuperadas pelos arqueológos em diversos sítios. Escritas em folhas de papiro e em linguagem simples e viva, são fontes diretas do dia a dia e dos costumes das comunidades gregas antigas. Transações comerciais, cartas de recomendação, convites de casamento, problemas legais, questões familiares e outros assuntos puramente pessoais são os temas habituais dessa correspondência.
No final do século -V, a estrutura da carta se tornou gradativamente convencional: saudação inicial, despedida e/ou amenidades no final, nome do remetente e do destinatário com frequência colocados antes da saudação. A maior ou menor formalidade do cabeçalho, do corpo do texto e do desfecho dependiam, naturalmente, do tipo de relacionamento mantido pelos correspondentes. Expressões formulares, erros gramaticais e outras impropriedades eram relativamente comuns, mesmo quando a carta era redigida por escribas profissionais.
Passagens selecionadas
Paralelamente, a elaboração de cartas fictícias atribuídas a personagens reais, e.g. Eurípides, Platão, Hipócrates[2] e Jesus Cristo, se tornou um recurso puramente literário, em geral utilizado para tornar relatos menos áridos, dar peso a uma proposição ou divulgar ideias do autor da carta imaginária que tinham alguma afinidade com os personagens envolvidos. As cartas fictícias de Alcifron, que viveu entre 170 e 350, e as cartas atribuídas a Paulo de Tarso, do século I, são exemplos de textos de conteúdo puramente literário e/ou filosófico.
A correspondência regular entre pessoas cultas se tornou uma espécie de “moda” durante o Período Greco-romano. Assim como em nossos dias, as cartas de Cícero, Luciano, Libânio e Gregório de Nazianzo, entre outros, tinham um pouco de tudo e, em certa medida, são a origem do gênero literário intitulado epistolografia (do gr. ἐπιστολή, ‘mensagem’, ‘carta’)[3].
Nessa época surgiram vários tratados teóricos sobre a redação de cartas. No século II, [Demétrio] descreveu algumas normas estilísticas (223-35) no tratado Περὶ ἑρμηνείας, ‘Do Estilo’. Também chegaram até nós Τύποι ἐπιστολικοί, ‘Tipos de cartas’, de autor anônimo do sæc. III ou IV, e um texto sobre os estilos das cartas, conservado de forma ligeiramente diferente por Libânio, no século IV (Περὶ ἐπιστολιμαίον χαρακτῆρος), e por Proclo, no século V (Ἐπιστολιμαίοι χαρακτῆρες).
A despeito do preço relativamente alto, do Período Helenístico em diante a folha de papiro se tornou o suporte mais comum para todos os tipos de correspondência[4]. Cartas anteriores ao século -V eram, no entanto, usualmente inscritas em outro tipo de material, particularmente tabuinhas de madeira, finas folhas de chumbo e pedaços de cerâmica (gr. sg. ὄστρακον).
Não havia serviço de correio para as pessoas comuns. Cartas pessoais eram entregues por servos e outros mensageiros, no caso de correspondentes abastados, ou de pessoas que coincidentemente viajavam entre as localidades envolvidas, como mercadores e marinheiros.