Passagem do 3º episódio (860-1059) da tragédia, com a réplica de Hécuba
aos argumentos que Helena enumerou em sua súplica a Menelau.
A tradução, já
publicada (Lafer 2008, p. 267-8), é de Mary Lafer, da USP.
HÉCUBA
Primeiro, das deusas me tornarei aliada
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e irei mostrar que a fala dessa aí não é justa.
Pois não creio que Hera ou a virgem Palas[1]
tenham cometido tal tolice,
a ponto de uma vender Argos aos bárbaros
e Palas dar Atenas aos frígios como escrava.
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Não foram ao Ida por brincadeira ou vanidade
a respeito de suas aparências: por que a divina
Hera tanto almejaria ser a mais bela?
Conseguiria um esposo melhor do que Zeus?
Ou Atena procura núpcias com um dos deuses,
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ela que ao pai solicitou a virgindade
esquivando-se do leito? Não faças as deusas de tolas
ao enfeitar tua infeliz ação. Sábios não persuadirás!
Cípris[2], disseste — e isso é muito engraçado —
foi com meu filho à casa de Menelau. Ora,
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ela não poderia ficar em sossego no céu
e levar-te a Ilion, com Amiclas inteira?
Belíssimo era estimado ser meu filho
e teu espírito ao vê-lo na própria Cípris se tornou.
Para os mortais Afrodite é todo o desvairio
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e certo é que seu nome com afronesia conflui.
Vendo-o com suas vestimentas de bárbaro,
reluzindo em ouro, teu espírito ensandeceu.
Pois andavas em Argos tendo parcos recursos,
mas tão logo de Esparta te apartaste, na cidade frígia,
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por onde ouro escorre, esperaste te inundar
em bens abundantes: não te era suficiente a casa
de Menelau para que pudesses te livrar à luxúria.
Seja! Pela força, dizes, meu filho te levou, disso
algum espartano se deu conta? Qual grito
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deste, estando vivo Cástor e seu irmão
não estando ainda ambos entre as estrelas?
Depois que vieste a Troia e os argivos
no teu encalço, uma tormentosa guerra aconteceu.