Eurípides / Héracles

Ἡρακλῆς Hercules (Furens) E. HF c. -415
A loucura de HéraclesA loucura de Héracles

A tragédia Ἡρακλῆς, Héracles, de Eurípides, era muitas vezes chamada, antigamente, de Ἡρακλῆς μαινόμενος ('Héracles Enlouquecido / Furioso'), talvez por influência do Hercules Furens de Sêneca.

A peça data aproximadamente de -415 (Diggle, 1981, p. 116). Nada se sabe dos outros dramas que o acompanharam, do concurso em que foi representado pela primeira vez e da premiação obtida.

Hipótese

Durante a ausência de Héracles, então envolvido com o décimo-segundo trabalho, um usurpador mata o rei de Tebas, sogro do herói, e está a ponto de matar também seus filhos, seu pai terreno e sua esposa quando Héracles retorna e salva a situação. A seguir, porém, um acesso de loucura o compele a matar a esposa e os filhos. Voltando a si, horrorizado, o herói está para se matar quando chega o amigo Teseu, rei de Atenas, que o encoraja a viver.

Note-se que o mito, na versão de Eurípides, tem uma cronologia diferente da habitual: o acesso de loucura do herói se dá depois, e não antes dos seus famosos doze trabalhos.

Dramatis personae

Anfitrião antigo rei de Argos, pai de criação de Héracles Mégara filha de Creonte, falecido rei de Tebas, esposa de Héracles Coro velhos tebanos, antigos companheiros de Anfitrião Lico usurpador e atual rei de Tebas Héracles filho de Zeus e de Alcmena, filho de criação de Anfitrião Íris mensageira dos deuses ligada à deusa Hera Lissa a loucura personificada Servidor um mensageiro Teseu filho de Egeu, amigo de Héracles e rei de Atenas

Personagens mudos: três crianças, filhos de Héracles, e servidores de Lico.

Mise en scène

A cena se passa em Tebas. O cenário mostrava a fachada do palácio e a porta, ao ser aberta, provavelmente deixava ver uma coluna. Na frente da porta do palácio, o altar de Zeus Salvador. Íris e Lissa apareciam provavelmente no alto, em um estrado colocado atrás do teto do palácio.

O protagonista representava Anfitrião e Íris; o deuteragonista, Mégara, Lissa e o mensageiro; o tritagonista, Héracles e Lico. Note-se que, devido à falta de um quarto ator, Héracles e Lico não aparecem em cena ao mesmo tempo (Pickard-Cambridge, 1953).

Resumo

A tragédia tem 1428 versos, distribuídos por mais ou menos 57 páginas da edição de Diggle (1981), na qual este resumo se baseia.

Anfitrião, Mégara e os filhos de Héracles se abrigam, como suplicantes, no altar de Zeus. Anfitrião relata que Héracles está ausente, no Hades, em busca do cão de três cabeças, e que Lico assassinou o rei Creonte e agora governa Tebas. O tirano planeja matar os parentes de Creonte para evitar que se vinguem. Mégara está perdendo a esperança, mas Anfitrião mantém a confiança no filho (Prólogo, 1-106).

O coro lamenta a situação (Párodo, 107-139). Lico aparece, menospreza Héracles e avisa que os suplicantes esperam em vão por sua ajuda (1º Episódio, 140-315). Anfitrião refuta Lico, elogiando o filho, e lamenta que os tebanos, antes ajudados por Héracles, não o ajudem agora. Lico ordena que cerquem o altar de lenha e ateiem fogo; o coro lamenta sua velhice e incapacidade de ajudar. Mégara diz a Anfitrião que ninguém jamais retornou do Hades e que prefere morrer de forma digna, não na fogueira (1º Episódio, 316-338). Anfitrião então pede a Lico que matem a ele e a Mégara antes dos meninos e Mégara implora que lhe seja permitido vestir adequadamente os filhos antes da morte; Lico concorda. Anfitrião, desesperado, recrimina Zeus pela injustiça (1º Episódio, 339-347).

O coro elogia Héracles e conta suas façanhas; Anfitrião, Mégara e as crianças saem do palácio, onde haviam entrado (1º Estásimo, 348-450). Mégara diz que estão prontos e recorda, tristemente, os planos de Héracles para os filhos; implora que Héracles se mostre, "mesmo como sombra"; Anfitrião implora a ajuda de Zeus e se despede do coro (2º Episódio, 451-513). Nesse momento, Héracles surge em pessoa (2º Episódio, 514-522).

Informado da situação, o herói mostra espanto, indignação e determinação em acabar com Lico e seus asseclas; mas Anfitrião aconselha-o a ter prudência e a aguardar no palácio, calmamente, pois o tirano viria buscá-los daí a pouco. Héracles abraça a família, conta que teve sucesso no Hades, que também ajudou Teseu a sair de lá e entra com eles no palácio (2º Episódio, 523-636). O coro exulta a juventude, deplora a velhice e entoa uma ode vitoriosa. (2º Estásimo, 637-700). Lico aparece e pergunta por Mégara e pelas crianças; Anfitrião, astutamente, o induz a entrar no palácio (3º Episódio, 701-733). Enquanto o coro celebra, ouvem-se os gritos e lamentos de Lico. Íris e Lissa aparecem e o coro se assusta (3º Estásimo, 734-821).

As duas divindades contam que Lissa veio para enlouquecer Héracles. Lissa entra no palácio e ouvem-se os gritos de Anfitrião, enquanto o coro lamenta (4º Episódio, 822-909). O mensageiro aparece e descreve com detalhes macabros como, durante um sacrifício de purificação, Héracles enlouquecera e matara Mégara e os três filhos; só não matara Anfitrião porque Palas Atena surgira e o fizera dormir (4º Episódio, 910-1015); o coro se mostra horrorizado (4º Estásimo, 1016-1041).

 
Ilum. 1401 / A loucura de Héracles, sæc. III/IV

Héracles acorda nos braços de Anfitrião e, diante da enormidade do que fizera, decide suicidar-se. Chega Teseu que, mesmo informado de tudo, não renega o amigo; consegue dissuadí-lo e o convence a viver e a se mudar para Atenas. Héracles pede a Anfitrião que sepulte a esposa e os filhos, promete voltar para buscá-lo e sai, amparado por Teseu (5º Episódio, 1042-1426). O coro sai a seguir (Êxodo, 1427-1428).

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

O Héracles pertence à segunda família de manuscritos, a das peças alfabéticas. As fontes mais importantes são o Laurentianus plut. xxxii 2, o Laurentianus Conv. soppr. 172 e o Palatinus gr. 287. Os três são do início do século XIV. Os dois primeiros estão conservados na Biblioteca Laurenciana de Florença e o terceiro, na Biblioteca do Vaticano.

A editio princeps é a Aldina, de 1503. Das edições modernas, as básicas são a de Hermann (Leipzig, 1810), a de Wilamowitz (Berlim, 1889) e a de Murray (Oxford, 1910). As mais atualizadas e mais utilizadas atualmente são a de Parmentier & Grégoire (Paris, 1950), a de Diggle (Oxford, 1981) e a de Kovacs (Cambridge, 1998).

A primeira tradução para o português, ainda inédita, é a de Cândido Lusitano (1719/1773); a primeira tradução publicada, no entanto, é a de Cristina Rodrigues Franciscato (São Paulo, 2003). Trajano Vieira publicou a sua posteriormente (São Paulo, 2014).