Seção: história grega1960 palavrasAfresco com o salto do touro
Depois da grande catástrofe de -1700, a vida em Creta continuou a se desenvolver e atingiu novos patamares sociais e artísticos.
Ao longo do Minoico Recente (Tab. 1) os palácios de Cnossos, Festos,
Mália e Zakros nunca cessaram de receber reparos e sofrer modificações periódicas; o mesmo se deu com as mais importantes casas urbanas ou rurais (Agia
Tríada, Tilissos, Nirou Khani, Pirgos, Vathypetro, etc.), algumas das quais eram
verdadeiros minipalácios.
Tabela 1. Etapas do Minoico RecenteEtapaDatasMinoico Recente I-1550 a -1450Minoico Recente II-1450 a -1400Minoico Recente III-1400 a -1100
Isso se deu, possivelmente, em decorrência de distúrbios naturais (terremotos, incêndios...) de menor intensidade.
Minoico Recente I-II
O palácio de Cnossos, que dominava uma vasta planície, continuou a ser o maior e
mais imponente de todos. Em -1450/-1400, além das estruturas usuais
pátio central, teatro, templo, alojamentos, salas para armazenagem, arquivos
de tabuinhas com a linear A,
sala do trono era dotado de sofisticados aquedutos de terracota sob o
pavimento, capazes de trazer água de uma fonte a 10 quilômetros de distância. Quase
todas as paredes eram decoradas com maravilhosos afrescos[1] naturalistas.
Nessa época, o palácio ocupava uma área de 17.400 m2 e a
distribuição das salas havia ficado tão intrincada com os sucessivos acréscimos que se
tornou um verdadeiro labirinto[2]. O tamanho e o aspecto
da construção podem ter produzido, então, um dos elementos mais notáveis e populares
das lendas gregas arcaicas sobre Teseu e o minotauro.
Gúrnia ilustra bem o aspecto típico de uma cidade provinciana. Por volta de
-1550/-1450 as casas eram retangulares e pequenas e muitas continham
ferramentas para vários tipos de artesanato; havia também um pequeno templo. As ruas
eram estreitas e tortuosas, às vezes ligadas por longas e elevadas escadarias, e
confluíam para um pequeno palácio situado na parte sudoeste da cidade. Uma rua
estreita separava o palácio das casas, o que implica o estreito relacionamento entre
governante e governados(Pedley, 1998).
A sociedade minoica continuou a ser governada por uma elite dirigente a partir dos
grandes palácios e, possivelmente, dos mini-palácios e das casas de
campo mais imponentes. A escrita linear
A, utilizada provavelmente para fins administrativos como sua sucessora, a
linear B, continuou em uso até -1450.
Lendas gregas relatadas mil anos mais tarde por Heródoto, Tucídides e Baquílides
falam de um Rei Minos que possuía uma frota poderosa, acabou com os piratas das ilhas
egeias e lá instalou seus ‘filhos’ (Th. 1.4); pintura tumular egípcia
da época de Tutmés III (-1504/-1450) menciona os chefes de Keftiu e das ilhas no meio do
oceano. Mas, contra essa tradição da talassocracia minoica[3],
a arqueologia apenas confirma que a cultura minoica se
espalhou pelas ilhas do Egeu e influenciou intensamente as demais culturas da região.
Em Filacopi (Melos), Akrotiri (Tera), Agia Irini (Ceos) e Trianda (Rodes) a presença de
cretenses era tão preponderante que se fala até em colônias minoicas.
Há também evidências de contatos comerciais intensivos entre os cretenses e quase
todas as regiões da Grécia Continental, litoral da Ásia Menor (Troia, Mileto, Iasos,
Vathy, Tigani), Chipre, Síria, Palestina e Egito. Eram importadas, principalmente,
matéria-primas como cobre, ouro, prata, marfim, madeira, obsidiana, pedras preciosas e
semi-preciosas; as exportações consistiam, basicamente, de lã, vasos finos
de cerâmica ou metal, joias e possivelmente azeite.
A queda dos palácios minoicos
Logo após a erupção de Tera, habituados a desastres naturais, os cretenses
continuaram vivendo normalmente até -1450, mais ou menos, quando nova e
definitiva catástrofe devastou a ilha. Cidades, grandes residências e quase todos os
palácios sofreram danos massivos e não foram mais reconstruídos. A causa, sem dúvida,
não foi a erupção de Tera, que antecedeu em várias décadas a última destruição dos
centros urbanos da ilha. Mas ainda se discute muito a respeito do fim dos palácios
cretenses e, principalmente, se a catástrofe final teve causas naturais ou foi obra de
invasores.
De qualquer modo, independentemente da razão, em -1450 os micênios se
instalaram na ilha e lá ficaram até o fim da Idade do Bronze. Introduziram,
naturalmente, a língua grega, a escrita conhecida por Linear B, seus costumes e sua
arte. O palácio de Cnossos foi ainda reconstruído para uso dos conquistadores, mas em
1400/-1375 foi novamente destruído e nunca mais restaurado.
O Minoico Recente III
Depois da destruição final do palácio de Cnossos (-1400/-1375), as
rotas comerciais e os entrepostos minoicos foram assumidos pelos micênios. A vida
continuou, no entanto, e pelo menos dois importantes núcleos micênicos se estabeleceram
na ilha de Creta, um em Cnossos e outro em Cânia. Embora os minoicos não mais tivessem
influência política e econômica no Egeu, sua cultura nunca deixou de se fazer presente.
A arte minoica, apesar de ter submergido significativamente diante do gosto dos novos
senhores pelo formalismo artístico e por temas agressivos como a caça e a guerra,
permanceu atuante durante todo o domínio micênico.
Creta foi poupada, aparentemente, das devastações generalizadas que caracterizaram o
último século do Bronze Recente. Há evidências, porém, de fragmentação política e de
acentuação das características regionais na cultura material.
A cultura minoica do Bronze Recente
A arte de Creta atingiu o apogeu entre -1550 e -1450 e,
mesmo depois da conquista micênica, manteve algumas de suas características.
Os afrescos minoicos, caracterizados pelo naturalismo, pelo movimento e pela
graciosidade, recobriram as paredes dos palácios e casas mais importantes até
-1450. Estatuetas de bronze e de terracota e vasosrituais de pedra com
relevos esculpidos enchiam templos e santuários; vasos de cerâmica com fundo claro e
temas florais (estilo floral), abstratos (estilo padrão) e marinhos (estilo marinho)
foram encontrados em Creta e em todo o Egeu; joias finíssimas, criadas pelos ourives
cretenses segundo técnicas usadas desde o Minoico Médio, foram encontrados nos famosos
círculos tumulares de Micenas (-1550/-1500).
Selos cretenses de vários formatos esculpidos em metal e em pedras semi-preciosas
foram recuperados pelos arqueólogos em grande quantidade. Nos exemplares confeccionados
até -1450, predominavam as cenas religiosas, os animais e as acrobacias
com touros; durante o domínio micênio eram comuns os arranjos heráldicos, um dos tema
favoritos dos conquistadores, mas a técnica empregada era totalmente minoica. Depois
da destruição de Cnossos a arte da gravação em Creta declinou rapidamente(Higgins, 1981).
Caixões de terracota pintada, às vezes moldados em forma de banheira e comuns em
Creta após a conquista micênica, eram ainda decorados, muitas vezes, com temas
puramente cretenses. Algumas estatuetas de terracota de -1300/-1200,
conhecidas por “deusas do lar”, ilustram igualmente uma certa persistência do estilo
minoico mesmo durante a fase de domínio micênico.
Uma das mais notáveis características da cultura minoica é a aparente posição de
destaque que as mulheres tinham na sociedade. A julgar pela sua representação nas
pinturas, desfrutavam de ampla liberdade, podiam maquiar-se e participavam
normalmente de festas e rituais públicos, como as danças e o “salto do touro”.
Talvez a importância da mulher resultasse do destacado papel das divindades
femininas na religião minoica, fato observado já no Minoico Médio. O touro, figura
igualmente notável, era presença constante em afrescos, sinetes, estatuetas votivas,
vasos de pedra e de metal. Em diversas obras de arte há duas outras imagens importantes
na religião minoica: o machado duplo e os “cornos de consagração”, estes certamente uma
representação estilizada dos chifres do touro. Na falta de registros escritos,
infelizmente, não sabemos exatamente qual era seu papel no culto.
Assim como no período anterior, a prática religiosa se dava em pequenos templos nos
palácios e casas maiores, em santuários e altares localizados em lugares elevados e nas
grutas. Constava, notadamente, do oferecimento de sacrifícios, libações e estatuetas de
bronze e terracota com representações de animais. Algumas estatuetas representam os
fiéis fazendo suas preces com os dois braços elevados, ou com a mão direita apoiada na
cabeça. Uma cena pintada em um sarcófago de Agia Triada e datado de -1400,
época do domínio micênico, mostra alguns detalhes de uma cerimônia fúnebre.
A forma mais comum de sepultamento era o túmulo de câmara (tolo[4]),
que abrigava habitualmente mais de um defunto. A estrutura
consistia basicamente de um corredor de entrada (dromos), um portal
(stomion) e uma câmara abobadada (tálamo). Os corpos eram simplesmente
depositados no chão ou colocados em pitos[5] ou caixões de terracota
(lárnaces). Cistas[6]
escavadas no assoalho dos tolos eram também comuns.