Heródoto / Investigações

Ἱστορίαι Historiae Hdt.
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Herodoti Halicarnassei historiographi libri nouemHerodoti Halicarnassei historiographi libri nouem

O título tradicional da obra de Heródoto, Histórias (gr. Ἱστορίαι, lit. ‘investigações’), reflete a enorme diversidade do material reunido pelo autor em suas longas viagens. Certos elementos de sua biografia e algumas referências a eventos dos primeiros anos da Guerra do Peloponeso permitem situar a data de composição entre -450 e -430.

Histórias tem grande valor literário: a narrativa é simples, precisa e sóbria, apesar de recheada de episódios dramáticos e de curiosidades. O livro, nítidamente influenciado pela tradição épica, parece a transcrição de uma longa e interessante conversa, cheia de descrições, digressões, anedotas e lendas.

Estrutura do texto

A obra é um complexo arranjo de numerosos relatos mais ou menos independentes, tradicionalmente chamados de lógoi (gr. sg. λόγος), identificavéis por frases mais ou menos formulares no início e no fim. A extensão é variável e há lógoi dentro de lógoi, mas todos estão ligados de forma lógica e coerente.

Heródoto escreveu sob a influência da grande vitória dos gregos sobre os persas em -480/-479 mas, embora encarasse tudo como um confronto decisivo entre as civilizações do Oriente e do Ocidente (gregos da Europa contra persas da Ásia), não é esse o tema principal. Seu principal objetivo parece ter sido descrever a ascenção do poderio oriental, centrada nos reis dos lídios, medos e persas e suas conquistas, que culminaram nas guerras médicas.

Do ponto de vista cronológico, a sequência de logoi baseia-se primariamente em diversas ações militares que aconteceram entre -560, mais ou menos, e -479, pouco tempo depois da batalha de Salamina. Até os eventos de -480, Heródoto privilegiou a história oriental; a história dos gregos, notadamente a dos gregos asiáticos, dos atenienses e dos espartanos, permeia de forma um tanto dispersa diversos lógoi.

O fio da meada

Embora originário de uma região de influência dória, Heródoto escreveu em dialeto iônico, utilizado em Mileto e em outras cidades jônicas da Ásia Menor e, juntamente com os filósofos pré-socráticos, ajudou a definir esse dialeto como padrão inicial da expressão literária em prosa.

A habilidade narrativa de Heródoto é notável. A despeito da enorme heterogeneidade do material que reuniu, não perdeu o fio condutor; as digressões, compostas de mitos, anedotas, curiosidades etnológicas e geográficas, são bem marcadas e foram magistralmente dispostas em torno da narração principal.

Aparentemente, nem todo o material disponível foi colocado no livro. Heródoto apresentou os fatos considerados relevantes, mas selecionou as tradições sobre os acontecimentos e interpretou-os à sua maneira pessoal. Muitos eruditos modernos consideram-no pouco crítico e lhes parece excessiva a atenção que deu aos oráculos, aos sonhos e à religião para explicar eventos históricos; nesse ponto, porém, o “pai da história” foi nada mais, nada menos do que um homem de seu tempo.

Resumo

O texto das Investigações foi dividido pelos eruditos alexandrinos em 9 livros e cada um deles recebeu o nome de uma das nove musas: Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Urânia, Calíope. Diodoro e Luciano, que viveram nos século I e II, respectivamente, com certeza leram o texto de Heródoto com essa divisão (D.S. 11.37.6; Luc. Herod. 1). O presente resumo baseia-se no texto de Legrand, que aliás também dividiu sua edição em 9 volumes, e no estudo de Immerwahr (1966).

Após um Proêmio (1.1-5), o texto começa pelo lógos de Creso, rei da Lídia (1.6-94). O lógos começa pela história de sua dinastia, desde Giges até sua ascenção (1.6-29), a visita de Sólon e a tragédia de Átis, filho de Creso (1.29-45), e a guerra entre Creso e os persas (1.46-86) e o episódio de Creso na pira e sua consulta ao Oráculo de Delfos (1.86-91). O lógos de Creso contém alguns lógoi semi-independentes, como a história de Aríon e do golfinho (1.23-24) e a história arcaica de Atenas e Esparta (1.56-2.68).

Os lógoi seguintes contam a origem dos persas e a ascenção de Ciro ao poder (1.95-140), e logo depois as campanhas de Ciro (1.141-216). A sequência é mais ou menos a seguinte: história dos medas até Astíages (1.95-107), o nascimento de Ciro (1.108-22), a campanha de Ciro contra Astíages (1.123-30), a conquista da Jônia, da Cária e de Cauno[1], da Lícia (1.141-76), a primeira conquista da Babilônia (1.178-200), a campanha contra os Massagetas (1.201-16). A seguir, vem o lógos da ascenção e das campanhas de Cambises (2.1-3.38), com o célebre sub-lógos sobre o Egito e sua etnografia (2.1-3.16) e um sub-lógos muito menos importante, sobre os cartagineses, amônios e etíopes (3.17-26).

Um curto lógos, sobre a guerra entre espartanos e Polícrates de Samos (3.39-60), interrompe brevemente a história dos persas, retomada em 3.61-87 com o lógos sobre a morte de Cambises, a revolta dos Magos e a ascenção de Dario, e logo depois pelo lógos sobre o poder de Dario (3.88-116). Uma interessante digressão dentro desse lógos é o sub-lógos sobre os limites do mundo conhecido (3.106-16). Logo depois vêm as cinco anedotas, que constituem, no conjunto, uma transição entre a ascenção de Dario e suas atividades posteriores: as histórias sobre a planície da Ásia (3.117), sobre a morte de Intafernes (3.118-19), sobre a morte de Polícrates de Samos (3.120-25), sobre o assassinato de Oroites (3.126-28) e sobre o médico grego Demócedes (3.129-38).

O lógos sobre as mais importantes campanhas de Dario (3.139-6.140) é um dos mais extensos, e praticamente ocupa três livros. Eis os sub-lógos importantes: a conquista de Samos (3.139-49), a segunda conquista da Babilônia (3.150-60), a guerra contra os citas (4.1-142), que inclui uma etnografia desse povo, a campanha de Megabazus e Otanes (4.143-44), que se estendem pela Europa, a campanha de Ariandes, sátrapa do Egito, na Líbia (4.145-205), que contém diversos relatos sobre a ocupação grega de Cirene e Tera, e uma importante etnografia da Líbia, a revolta das póleis gregas da Jônia (5.28-6.42), que contém uma história de Esparta (5.39-48), uma história de Atenas (5.55-96) e os começos da Primeira Guerra Médica (6.34-93), que culminou na célebre Batalha de Maratona (6.94-120), em que atenienses e plateenses derrotaram forças persas superiores em número.

No início do livro VII começa a descrição da Segunda Guerra Médica.

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições, traduções

Os manuscritos de Heródoto costumam ser agrupados em duas famílias, a fiorentina e a romana (Càssola, 1988). Os manuscrito mais importantes da família fiorentina são o Laurentianus lxx.3 (sæc. X), da Bliblioteca Laurenciana de Florença , o Codex Romanus e o Laurentianus conv. suppr. 207, da Biblioteca Laurenciana, ambos do início do século XI. Da família romana, os manuscritos mais notáveis são o Vaticanus 2369 (século XI), da Biblioteca do Vaticano, e o Vaticanus 123, o Sacroftianus da Biblioteca do Emmanuel College de Cambridge e o Vindobonensis lxxxv (v) da Biblioteca de Viena, todos os três do século XIV. Há uma vintena de papiros com pequenos trechos do texto, mas pouco acrescentam à leitura dos manuscritos.

A editio princeps é a Aldina (Veneza, 1502). As melhores edições antigas são as de Schweighauser (Estrasburgo, 1816), Gaisford (Oxford, 1840), Blakesley (Londres, 1854), Bahr (Leipzig, 21856/1861) e Stein (Berlim, 1869/1871). Dentre as edições recentes, as mais utilizadas são as de Godley (Cambridge, 1920), Hude (Oxford, 1927), Legrand (Paris, 1930/1954), Annibaletto (Milão, 1956), Barguet (Paris, 1964) e Rosén (Leipzig, 1987).

A mais antiga tradução de Heródoto para o português, e apenas do livro I, é a do médico João Félix Pereira (Lisboa, 1859). O texto completo foi traduzido por M.G. Kury (Brasília, 1985). De 1994 para cá os eruditos portugueses Maria de Fátima Silva, José Ribeiro Ferreira e outros têm publicados traduções isoladas de cada um dos livros; já saíram os livros I, III, IV, V, VI e VIII.

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