Sófocles / Electra 86-120
O trecho selecionado pertence ao Prólogo e mostra o pungente lamento de Electra pelo pai assassinado, Agamêmnon.
Reproduzo aqui a tradução de Eusébio Dias Palmeira (1973), originalmente em prosa, transposta por mim para a forma versificada (como no texto original de Sófocles), mais pequenos ajustes em alguns nomes.
ELECTRA
Ó luz sagrada,
E tu, ar, irmão gêmeo da terra, quantas
vezes ouvistes meus lamentos
quantas vezes os ecos dos golpes
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me deixam o peito a escorrer sangue,
à hora em que a noite escura se retira!
Das minhas vigílias noturnas é testemunha
o meu leito miserável, dentro desta desgraçada casa.
Ele sabe as lágrimas que chorei pelo meu desditoso
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pai que, em terras bárbaras,
o sanguinolento Ares não acolheu,
e a quem minha mãe e o seu amante
Egisto fenderam a cabeça com homicida acha,
como os lenhadores fendem um carvalho.
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E ninguém, além de mim, soltou
um lamento por ti, ó pai,
assim morto tão iníqua e miseravelmente!
Pois bem! Não
deixarei os meus lamentos, nem as tristes queixas,
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enquanto vir o clarão vivo das estrelas
e esta luz do dia.
Às portas do palácio paterno,
como a filomela privada dos filhinhos,
eu farei ouvir a todos os queixumes da minha voz.
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Ó casa do Hades e de Perséfone,
ó Hermes subterrâneo, ó Imprecação augusta,
e vós Erínias, severas filhas dos deuses,
que vedes os que sofrem injusta morte
e os leitos poluídos secretamente,
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vinde em meu socorro! Do meu pai vingai
o assassínio
e enviai-me o meu irmão,
pois já não posso sozinha
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contrapesar o fardo da dor.