Lísias

Λυσίας Lysias Orator Lys.

Um dos mais importantes oradores áticos do cânone alexandrino, sua atividade pertence à primeira época da eloquência ática.

Sumário

Lísias era na realidade um logógrafo[1] que, assim como Iseu e Dinarco, escrevia discursos de natureza judicial para os litigantes que o contratavam.

Biografia

Nasceu em Atenas, por volta de -445, em rica família de metecos[2], e morreu c. -380, também em Atenas. Seu pai era de Siracusa, chamava-se Céfalo, tinha uma próspera fábrica de escudos e vários amigos na aristocracia ateniense. O diálogo A República, de Platão, é ambientado em sua residência, no Pireu (ver supra); seu pai e seu irmão, Polemarco, são interlocutores de Sócrates nesse diálogo. O próprio Lísias é mencionado em A República e também em um outro diálogo, Fedro (Pl. Phdr. 227a).

Depois da morte do pai, ele e seu irmão Polemarco juntaram-se aos colonos de Túrios, na Itália Meridional, onde estudou retórica. Depois da derrota ateniense na expedição siciliana de -412, ambos foram considerados simpatizantes, expulsos de Túrios e voltaram para Atenas.

miniaturaBusto de Lísias

Em -403, os dois irmãos foram presos pelos Trinta Tiranos e todos os seus bens, confiscados (Lys. 12.6). Polemarco foi executado, mas Lísias conseguiu escapar e se juntar aos rebeldes. Quando a democracia foi restaurada, recebeu cidadania ateniense (decreto de Trasíbulo), mas a concessão foi posteriormente considerada ilegal e Lísias voltou ao status de meteco. Ele tentou recuperar suas propriedades, sem sucesso (Contra Hipoterses = F 1 Albani), e, para ganhar a vida, teve que trabalhar como logógrafo. Sua carreira durou de -403 a -380, mais ou menos.

A única oração que Lísias pôde apresentar pessoalmente aos juízes, antes de perder a cidadania, foi o discurso Contra Eratóstenes (Lys. 12), um dos Trinta Tiranos, que ele acusou da morte de Polemarco. Não sabemos o resultado do julgamento, mas é provável que Lísias não tenha conseguido uma condenação.

Lys. 12, Pl. R. 327a-331e, Ps.-Plu. X Orat. 835c-836e, D.H. Lys., Phot. Bibl. 262 e 8, Suid. s.u. Λυσίας.

Obras sobreviventes

Sabemos que 425 discursos circulavam com seu nome na época do Pseudo-Plutarco (X Orat. 836a) e que, na Antiguidade, Dioniso de Halicarnasso (Lys. 11-12) e outros críticos tentaram estabelecer a autenticidade do corpus lysiacum (i.e, o conjunto de textos atribuídos a Lísias), sem muito sucesso: 233 discursos foram considerados autênticos. Os eruditos modernos consideram todos esses números muito exagerados: dispomos de 34 discursos completos, nem todos escritos por ele, e de numerosos fragmentos.

Predominam, no corpus atualmente conhecido, os discursos preparados para os tribunais atenienses, tanto em causas públicas como em causas de natureza privada. Eis uma lista das orações consideradas autênticas (as marcadas com * não são, quase certamente, de Lísias):

  • Epidíticos
    Oração olímpica, Oração fúnebre*
  • Deliberativos
    Contra a subversão da Constituição Ancestral
  • Judiciários / causa pública
    Sobre um ferimento premeditado, Por Cálias, Contra Andócides*, Defesa sobre a oliveira, Pelo soldado*, Contra Eratóstenes, Contra Agorato, Contra Alcibíades (1 e 2), Da defesa de Mantiteu, Da propriedade do irmão de Nícias (peroração), Da propriedade de Aristofenes, Por Polístrato*, Defesa contra a acusação de proprinas, Contra os mercadores de cereais, Da recusa de uma pensão (ou Em defesa do inválido), Defesa da acusação de subversão da democracia, Sobre o escrutínio de Evandro, Contra epicrates e companheiros, Contra Ergocles, Contra Filocrates, Contra Nicômaco, Contra Filon
  • Judiciários / causa privada
    Contra Teomnesto 1 e 2, Da propriedade de Eraton, Contra Pancleon, Contra Diogiton
  • Judiciários / ambas as causas
    Do assassinato de Eratóstenes, Contra Simon
  • Outros
    Acusação de calúnia*

Platão reproduz um discurso de Lísias sobre o amor no diálogo Fedro (230e-234); acredita-se atualmente que, a despeito da atribuição, o autor é o próprio Platão.

Características da obra

O texto de Lísias evidencia grande destreza narrativa, aliada à pureza do estilo, à simplicidade e ao uso da linguagem cotidiana; a falta de adornos retóricos, no entanto, não implica em coloquialismo ou em artificialismo. Sua capacidade de retratar favoravelmente ou desfavoralvelmente os personagens envolvidos na causa (gr. ἠθοποιία) é notável e foi observada já na Antiguidade (D.H. Lys.). Dioniso de Halicarnasso assim resumia suas qualidades: pureza, simplicidade, clareza, brevidade, vivacidade, propriedade e charme (Morgan, 1895, p. xxxiii). Durante o Período Greco-romano, Lísias foi considerado uma das mais importantes fontes do dialeto ático "puro".

Os estudiosos modernos têm levantado uma série de questões sobre a obra de Lísias, em especial sobre a autoria dos discursos. Dover (1968), por exemplo, levantou grande polêmica ao sugerir que os clientes de Lísias participaram de forma extensiva da criação e da publicação dos textos; essa interpretação, no entanto, é contestada por muitos outros eruditos.

É provável que o relacionamento entre Lísias e clientes tenha sido muito semelhante ao dos advogados modernos e seus clientes: o cliente apresenta o problema, conta sua história e o advogado prepara e apresenta a necessária argumentação legal diante dos juízes. A diferença mais significativa seria, apenas, o fato de acusadores e acusados precisarem apresentar pessoalmente, nos tribunais atenienses, seus discursos. Em relação à publicação e disseminação dos discursos, lembremos que não havia, na Antiguidade, o conceito de "direitos autorais".

Referências e comentários de Lísias aos eventos históricos contemporâneos fazem dele, igualmente, importante fonte da história de Atenas.

Manuscritos e edições

Os dois mais manuscritos mais importantes são o Palatinus 88 (sæc. XII), de Heidelberg, o Laurentianus plut. 57.4 (sæc. XV), da Biblioteca Laurenciana de Florença, os Marcianus 422 e 416 (sæc. XV e sæc. XIII, respectivamente), da Biblioteca de São Marcos em Veneza, e o Parisinus 249 (sæc. XII), da Biblioteca Nacional de Paris. Dioniso de Halicarnasso conservou alguns fragmentos de discursos (Lys. passim), outros foram recuperados em numerosos papiros.

A editio princeps foi publicada em Veneza por Aldus Manutius em 1513. Edições antigas mais importantes: Stephanus (Genebra, 1575), Reiske (Leipzig, 1772), Bekker (Berlim e Oxford, 1823), Baiter e Sauppe (Zurique, 1839/1843), Westermann (Leipzig, 1854), Cobet (Amsterdam, 1863) e Frohberger (Leipzig, 1865/1870). Dentre as edições mais modernas, destaco as de Thalheim (Leipzig, 21913), Hude (Oxford, 1912), Lamb (Cambridge and London, 1930), Albini (Florença, 1955), Gernet e Byzos (31964).

A mais antiga edição dos fragmentos é a de Taylor (Londres, 1739); atualmente, recorre-se em geral à edição de Albini.