Nesta conhecida passagem dos diálogos platônicos, o autor relata uma curiosa história que o ateniense Sólon ouviu no Egito: a do mito da Atlântida.
21e
Há no Egipto – começou Crítias –, no extremo
inferior do Delta, em redor da zona onde se divide a
corrente do Nilo, uma região chamada Saiticos; e da
maior cidade dessa região, Sais[1] – precisamente de onde
era natural o rei Amásis[2] – (...)
Dizia Sólon que, enquanto por ali andou, era
22a
muitíssimo respeitado por eles, e que, a certa altura,
ao questionar os sacerdotes mais versados sobre
acontecimentos antigos, descobriu que nem ele nem
nenhum outro grego sabia, por assim dizer, quase nada
sobre aquele assunto. Como ele pretendia induzir os
anciãos a conversarem sobre acontecimentos antigos,
pôs-se a contar as tradições ancestrais que há entre nós.
Falou de Foroneu, que se diz ter sido o primeiro homem,
e de Níobe[3], de como Deucalião e Pirra sobreviveram
ao dilúvio, e discorreu sobre a genealogia dos que lhes
sucederam. (...)
23d
Então, o sacerdote respondeu o seguinte: “É sem reserva
alguma que to contarei, ó Sólon, por consideração a ti e
à vossa cidade e, acima de tudo, por gratidão à deusa, a
quem coube em sorte a vossa cidade e também esta, que
ela criou e educou[4] – primeiro a vossa, mil anos antes
23e
da nossa, depois de ter recebido de Gaia e de Hefesto
a semente de onde vós nascestes[5], e depois esta aqui.
Segundo os números gravados nos escritos sagrados, a
nossa cidade foi organizada há oito mil anos. (...)
24e
Os nossos escritos referem como
a vossa cidade um dia extinguiu uma potência que
marchava insolente em toda a Europa e na Ásia, depois
de ter partido do Oceano Atlântico. Em tempos, este
mar podia ser atravessado, pois havia uma ilha junto ao
estreito a que vós chamais Colunas de Héracles[6] – como
vós dizeis; ilha essa que era maior do que a Líbia[7] e a Ásia
juntas. (...)
25a
Nesta ilha, a Atlântida, havia uma enorme
confederação de reis com uma autoridade admirável que
dominava toda a ilha, bem como várias outras ilhas e
algumas partes do continente. (...)
25b
Esta potência tentou, toda unida, escravizar com uma só
ofensiva toda a vossa região, a nossa e também todos os
locais aquém do estreito. (...)
25c
Posteriormente, por causa de um sismo incomensurável
e de um dilúvio que sobreveio num só dia e numa noite
25d
terríveis, toda a vossa classe guerreira foi de uma só vez
engolida pela terra, e a ilha da Atlântida desapareceu
da mesma maneira, afundada no mar.”