Uma das tragédias completas de Eurípides, com 1428 versos.
Sumário
A tragédia Ἡρακλῆς,
Héracles, de Eurípides, era muitas vezes chamada, antigamente, de Ἡρακλῆς
μαινόμενος ('Héracles
Enlouquecido / Furioso'), talvez por influência do Hercules Furens de Sêneca.
A peça data aproximadamente de -415 (Diggle, 1981, p. 116). Nada se sabe dos outros
dramas que o acompanharam, do concurso em que foi representado pela primeira vez e
da premiação obtida.
Argumento
Durante a ausência de Héracles, então envolvido com o décimo-segundo
trabalho, um usurpador mata o rei de Tebas, sogro do herói, e está a ponto de matar
também seus filhos, seu pai terreno e sua esposa quando Héracles retorna e salva a
situação. A seguir, porém, um acesso de loucura o compele a matar a esposa e os
filhos. Voltando a si, horrorizado, o herói está para se matar quando chega o amigo
Teseu, rei de Atenas, que o encoraja a viver.
Note-se que o mito, na versão de Eurípides, tem uma cronologia diferente da
habitual: o acesso de loucura do herói se dá depois, e não antes dos
seus famosos doze trabalhos
.
Personagens do drama
A loucura de Héracles
Personagens mudos: três crianças, filhos de Héracles, e servidores de Lico.
Anfitrião, antigo rei de Argos, é o pai de criação de Héracles; Mégara, esposa de Héracles, era filha de Creonte, falecido rei de Tebas; o Coro é constituído de tebanos idosos, antigos companheiros de Anfitrião; Íris é a mensageira dos deuses e Lissa, a loucura personificada. Teseu, filho de Egeu e rei de Atenas, é um amigo mais jovem de Héracles.
Mise en scène
A cena se passa em Tebas. O cenário mostrava a fachada do palácio e a porta, ao
ser aberta, provavelmente deixava ver uma coluna. Na frente da porta do palácio, o
altar de Zeus Salvador. Íris e Lissa apareciam provavelmente no alto, em um estrado
colocado atrás do teto do palácio.
O protagonista representava Anfitrião e Íris; o deuteragonista, Mégara, Lissa e o
mensageiro; o tritagonista, Héracles e Lico. Note-se que, devido à
falta de um quarto ator, Héracles e Lico não aparecem em cena ao mesmo tempo
(Pickard-Cambridge, 1953).
Resumo
A tragédia tem 1428 versos, distribuídos por mais ou menos 57 páginas da edição
de Diggle (1981), na qual este resumo se baseia.
Anfitrião, Mégara e os filhos de Héracles se abrigam, como suplicantes, no altar
de Zeus. Anfitrião relata que Héracles está ausente, no Hades, em busca do cão de
três cabeças, e que Lico assassinou o rei Creonte e agora governa Tebas. O tirano
planeja matar os parentes de Creonte para evitar que se vinguem. Mégara está
perdendo a esperança, mas Anfitrião mantém a confiança no filho (Prólogo,
1-106).
O coro lamenta a situação (Párodo, 107-139). Lico aparece,
menospreza Héracles e avisa que os suplicantes esperam em vão por sua ajuda (1º
Episódio, 140-315). Anfitrião refuta Lico, elogiando o filho, e lamenta
que os tebanos, antes ajudados por Héracles, não o ajudem agora. Lico ordena que
cerquem o altar de lenha e ateiem fogo; o coro lamenta sua velhice e incapacidade de
ajudar. Mégara diz a Anfitrião que ninguém jamais retornou do Hades e que prefere
morrer de forma digna, não na fogueira (1º Episódio, 316-338).
Anfitrião então pede a Lico que matem a ele e a Mégara antes dos meninos e Mégara
implora que lhe seja permitido vestir adequadamente os filhos antes da morte; Lico
concorda. Anfitrião, desesperado, recrimina Zeus pela
injustiça (1º Episódio, 339-347).
O coro elogia Héracles e conta suas façanhas; Anfitrião, Mégara e as crianças
saem do palácio, onde haviam entrado (1º Estásimo, 348-450). Mégara diz
que estão prontos e recorda, tristemente, os planos de Héracles para os filhos;
implora que Héracles se mostre, "mesmo como sombra"; Anfitrião implora a ajuda de
Zeus e se despede do coro (2º Episódio, 451-513). Nesse momento,
Héracles surge em pessoa (2º Episódio, 514-522).
Informado da situação, o herói mostra espanto, indignação e determinação em
acabar com Lico e seus asseclas; mas Anfitrião aconselha-o a ter
prudência e a aguardar no palácio, calmamente, pois o tirano viria buscá-los daí a
pouco. Héracles abraça a família, conta que teve sucesso no Hades, que também ajudou
Teseu a sair de lá e entra com eles no palácio (2º Episódio, 523-636).
O coro exulta a juventude, deplora a velhice e entoa uma ode vitoriosa. (2º
Estásimo, 637-700). Lico aparece e pergunta por Mégara e pelas
crianças; Anfitrião, astutamente, o induz a entrar no palácio (3º Episódio,
701-733). Enquanto o coro celebra, ouvem-se os gritos e
lamentos de Lico. Íris e Lissa aparecem e o coro se assusta (3º Estásimo,
734-821).
As duas divindades contam que Lissa veio para enlouquecer Héracles. Lissa entra
no palácio e ouvem-se os gritos de Anfitrião, enquanto o coro lamenta
(4º Episódio, 822-909). O mensageiro aparece e descreve com detalhes
macabros como, durante um sacrifício de purificação, Héracles enlouquecera e matara
Mégara e os três filhos; só não matara Anfitrião porque Palas Atena surgira e o
fizera dormir (4º Episódio, 910-1015); o coro se mostra horrorizado (4º
Estásimo, 1016-1041).
Ilum. 1401 / A loucura de Héracles, sæc. III/IV
Héracles acorda nos braços de Anfitrião e, diante da enormidade do que fizera,
decide suicidar-se. Chega Teseu que, mesmo informado de tudo, não
renega o amigo; consegue dissuadí-lo e o convence a viver e a se mudar
para Atenas. Héracles pede a Anfitrião que sepulte a esposa e os filhos, promete
voltar para buscá-lo e sai, amparado por Teseu (5º Episódio,
1042-1426). O coro sai a seguir (Êxodo, 1427-1428).
Manuscritos, edições e traduções
O Héracles pertence à segunda família de manuscritos, a das peças alfabéticas
.
As fontes mais importantes são o Laurentianus plut. xxxii 2, o Laurentianus
Conv. soppr. 172 e o Palatinus gr. 287. Os três
são do início do século XIV. Os dois primeiros estão
conservados na Biblioteca Laurenciana de Florença e o terceiro, na Biblioteca do
Vaticano.
A editio princeps é a Aldina, de 1503. Das edições modernas, as
básicas são a de Hermann (Leipzig, 1810), a de Wilamowitz (Berlim, 1889)
e a de Murray (Oxford, 1910). As mais atualizadas e mais utilizadas atualmente são
a de Parmentier & Grégoire (Paris, 1950), a de Diggle (Oxford, 1981) e a de Kovacs (Cambridge, 1998).
Passagens selecionadas
A primeira tradução para o português, ainda inédita, é a de Cândido Lusitano
(1719/1773); a primeira tradução publicada, no entanto, é a de Cristina
Rodrigues Franciscato (São Paulo, 2003). Trajano Vieira publicou a sua posteriormente (São Paulo, 2014).