Ésquilo / Coéforas 519-52
O trecho selecionado é um excerto do diálogo entre Orestes e o Coro, em que o Corinfeu relata o funesto sonho de Clitemnestra.
A tradução foi publicada em 2004 por JAA Torrano, que gentilmente autorizou sua reprodução no Portal.
ORESTES
As dádivas são menores do que o delito,
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pois, se tudo se verte em paga do sangue
de um só, é frustra fatiga. Assim se fala.
Desejo que, se é que sabes, conte-me isto.
CORO
Sei, ó filho, pois presenciei: por sonhos
e por noctívagos terrores sacudida
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a ímpia mulher enviou estas libações.
Or. Soubeste do sonho de modo a contá-lo exato?
Co. Pareceu-lhe parir serpente, ela mesma fala.
Or. E aonde vai terminar e concluir a fala?
Co. Atou com faixas como a uma criança.
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Or. E quem nutria o recém-nascido monstro?
Co. Ela mesma lhe deu o seio no sonho.
Or. E como ficou ileso o úbere sob o horror?
Co. Sorveram-se com leite coágulos de sangue.
Or. Esta visão não lhe poderia vir em vão.
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Co. Ela do sono lançou um grito de pavor.
Muitas candeias já cegas pelas trevas
refulgiam no palácio graças à senhora,
e envia então estas sepulcrais libações
esperando o remédio cortar as dores.
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Or. Suplico à terra e ao túmulo paterno
que este sonho me seja portador de remate.
Interpreto-o de modo a ser congruente:
se surgiu do mesmo lugar que eu
a serpente enfaixada como criança
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abocanhava o seio que me nutriu
e mesclou leite a coágulos de sangue
e ela apavorada pranteava este mal,
porque nutriu hórrido prodígio, deve
ter morte violenta e tornado serpente
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eu mato-a — como conta este sonho.
Co. Elejo-te por isto perito em prodígio:
assim seja! Explica o mais aos amigos.