A passagem selecionada descreve a morte de Argos, o cão que Odisseu deixara em Ítaca, antes de partir para Troia. Argos, velho e abandonado,
recusava-se a morrer antes de ver novamente seu dono.
A tradução é de Guida Nedda Barata Parreira Horta†, antiga professora UFRJ (Horta,
1983, p. 367-8); fiz apenas leves alterações na distribuição do texto em versos e nos nomes próprios, a fim de atender à padronização do Portal.
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Assim falavam ambos entre si,
quando um cão, deitado, ergue a cabeça e as orelhas;
era Argos que, outrora, o valoroso Odisseu
treinara, sem disso tirar prazer, já que tivera antes que partir
para a santa Ílion. Com os rapazes o cão passara a vida
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atrás dos cervos, lebres e carneiros selvagens.
Mas agora, com o chefe ausente, fora largado ali, numa
estrumeira diante do portal, onde se fizera o depósito de adubo,
que bois e mulas forneciam aos criados de Odisseu,
quando tinham de buscar fertilizantes para seus vastos domínios.
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Assim jazia o velho Argos, cheio de parasitos.
Então, como reconhecesse Ulisses, bem perto dele,
abanou a cauda e abaixou as orelhas,
falto de forças para alcançar o dono.
Mas o herói o vendo, enxugou uma lágrima, que lhe escapara
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sem que Eumeu a percebesse. E bem depressa dirigiu-se ao outro:
"Eumeu! Que estranho cão é esse na estrumeira!
Que belas linhas! Mas já não posso saber
se era tão rápido na corrida quanto parece belo.
Ou talvez nao passasse de um desses cães ao pé da mesa, de quem os reis
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se ocupam nada mais que para exibi-los?"
E tu, porqueiro Eumeu, assim lhe respondeste:
"É o cão daquele chefe que morreu longe de nós.
Se o tivesses visto, em plena força, no dia em que
Odisseu, partindo para Troia, o abandonou,
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bem louvarias seu vigor e rapidez!
Jamais, nas profundezas da floresta,
nenhum bicho feroz lhe escapou, tão depressa o visse. Que grande farejador!
Mas hoje é presa da decadência; e o real dono pereceu alhures,
longe da pátria. As mulheres já não cuidam natais dele; sao negligentes,
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pois servidores, logo que os patrões não mais exercem sua autoridade,
também não querem trabalhar com zelo.
É que Zeus, de voz tronitroante, reduz à metade o mérito
do homem sobre quem se abate o dia da servidão."
Assim falando penetrou nos aposentos senhoriais
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e, indo diretamente ao salão, aí encontrou os pretendentes.
Já então Argos recebera a negra morte,
cumprindo seu destino logo após rever Odisseu, vinte anos depois que ele partira.