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Eratóstenes / Geografia

Γεωγραφικά Geographica Str. passim; Plin. passim; Arr. passim; etc. -7 / 23

Os três volumes da obra se perderam, mas dispomos de extensas informações sobre o texto graças ao geógrafo Estrabon.

Sumário

Estrabon (-64/19) conservou quase todo o material de que dispomos. Há também várias passagens, bem mais curtas, de Arriano (c. 86/160); de Plínio, o Antigo; de um escoliasta de Apolônio de Rodes que viveu possivelmente nos séculos I-III; de Estevão de Bizâncio (fl. sæc. VI) e de alguns outros.

Sinopse estrutural

O texto com as passagens reunidas ocupa 66 páginas da edição de Roller (2010). Cerca de 400 topônimos são mencionados, alguns dos quais não foram esclarecidos até hoje.

Livro 1 1 Introdução. 2-11 Homero e a geografia. 12-4 História da geografia. 15-8 A formação da terra. 19-24 Mitos geográficos. Livro 2 25 Introdução. 26-7 Metodologia. 28-38 Tamanho e forma da terra. 39 A natureza do Oceano. 40-3 As qualidades únicas de Siena e sua região. 44 As zonas terrestres. Livro 3 46-52 Plano do mundo habitado. 53-6 A forma do mundo habitado. 57-63 Os paralelos. 64-5 Os meridianos. 66 Conceito das divisões do mundo habitado: ‘selos’ (marcos ?), do gr. σφραγῖδας (sg. σφραγίς). 67-76 Primeiro selo: Índia. 77-81 Segundo selo: Ariana[1]. 83-91 Terceiro selo: Mesopotâmia. 92-9 Quarto selo: Arábia, Egito e Etiópia. 100-7 Líbia. 108-16 O extremo norte do mundo habitado. 117-26 Anatólia. 127-30 O Mediterrâneo. 131-53 Europa. 154 Conclusão. 155 Apreciação sobre a semelhança e equivalência de gregos e bárbaros (Estrabon 1.4.9).

Comentários sobre alguns temas

Duas interessantes noções que Eratóstenes delineia no tratado são o ecúmeno e a definição de coordenadas geográficas que possibilitam a confecção de mapas.

Ecúmeno

Para os gregos do século -III, o mundo habitado, o ‘ecúmeno’ (gr. οἰκουμένη) era uma porção definida da superfície da terra, situada no que hoje chamamos de hemisfério norte. Ao norte dela, frio excessivo e, ao sul, calor intolerável tornavam essas regiões inacessíveis ao homem. Segundo Siebold (2009, p. 5), a existência de terras e homens além dos limites conhecidos era “teoricamente possível, mas tratada como uma especulação inútil”.

 
Ilum. 0725 / O mundo segundo Eratóstenes

Eratóstenes procurou ajustar as relações e distâncias entre as terras do ecúmeno em um globo dividido em zonas. Assinalou as variações da superície e criou um sistema de medidas apropriado ao formato esférico e procurou resolver algumas pendências que atribulavam os estudiosos que se dedicavam à Geografia.

Traçou a rota do rio Nilo até Cartum (Sudão) e foi o primeiro autor antigo a supor que o rio tinha origem em um lago e o primeiro a explicar, quase corretamente, que as cheias periódicas do Nilo eram provocadas por pesadas chuvas que caíam próximas à sua nascente. Descreveu também a “Arábia Feliz”[2] e suas raças.

Coordenadas geográficas

Com Eratóstenes, a confecção de mapas do mundo conhecido passou indubitavelmente a seguir métodos científicos. Os geógrafos anteriores haviam especulado livremente a respeito da extensão do ecúmeno; Eratóstenes, por sua vez, calculou em 38.000 estádios a extensão norte-sul, que ia de Tule (Islândia?) ao País da Canela (Etiópia / Somália) e em 74.000 estádios a extensão leste-oeste, das Colunas de Héracles[3] ao Oceano Oriental (Índico).

Aperfeiçoando um procedimento efetuado anteriormente por Dicearco (fl. -326/-296), traçou inicialmente uma linha imaginária entre a ilha de Rodes e as Colunas de Héracles; depois, uma linha perpendicular à primeira, também atravessando Rodes. Definiu então outras linhas paralelas a cada uma das duas primeiras, formando uma grade de retângulos de diferentes tamanhos que corresponde a um sistema primitivo de coordenadas cartesianas. Ao assinalar as localidades conhecidas, as diversas regiões assumiam formas geométricas irregulares — a Índia, por exemplo, era rombóide; a Ariana (Pérsia), um paralelogramo.

Apesar dos avanços obtidos, para os padrões modernos o mapa de Eratóstenes continha ainda muitos erros. O tamanho da maioria das regiões, por exemplo, estava fora de escala e o mítico conceito do oceano circular que envolvia toda a massa de terras não foi abandonado.

Edições e traduções

Há, atualmente, 155 “fragmentos” (paráfrases, mais precisamente) reconhecidos dos três livros da Geografia. Fragmentos e testemunhos foram reunidos pela primeira vez por Günther Seidel em 1798 e, em 1880, Ernst Berger publicou uma edição mais completa e crítica. Nenhum deles, contudo, considerou o tratado Da Medida da Terra separadamente.

A edição padrão atual, com organização do texto, tradução inglesa e comentários, é a de Roller (2010). Ela não traz, contudo, o texto grego; é preciso consultá-lo nas fontes dos fragmentos (Estrabon, Plínio o Antigo, Arriano etc.)

Em português, estão disponíveis somente pequenos trechos do Livro 3 de Estrabon (F 106, 152-3 = Str. 3.5.5; 3.4.7; 3.2.11) na tradução de Deserto e Marques Pereira (2016).

Recepção

Na Antiguidade, a reputação de Eratóstenes como geógrafo foi eclipsada pelo seu trabalho em outras áreas. A Geografia não foi muito bem recebida após sua publicação e teve muitas críticas, principalmente do astrônomo Hiparco de Niceia (c. -190/-120)[4] e de Políbio (34.1.16, 2.11, 5.8 etc.).

Por causa disso, talvez, suas contribuições à geografia logo foram esquecidas. Plutarco e Ateneu, entre outros, falam de Eratóstenes muitas vezes, mas apenas da poesia e de seus outros trabalhos (Roller 2010, p. 30).

Nos séculos I e II, época dos geógrafos Estrabon e Agatárquides de Cnidos, sua obra geográfica foi reabilitada e a influência de seu sistema de coordenadas na cartografia grega dos séculos posteriores se tornou considerável. Dionísio Periegetes (c. 117/138), por exemplo, usou-o extensivamente e Júlio César (Guerra das Gálias 6.24) recorreu à sua obra para se orientar. Plínio, o Velho, menciona-o várias vezes.