Os dois trechos selecionados fazem parte da tradução pioneira do Imperador D. Pedro II (1825/1891), versificada pelo Barão de Paranapiacaba (1872/1915).
Note-se o uso da versão latina dos nomes dos deuses, conforme hábito da época: Mercúrio ao invés de Hermes, Jove (Júpiter) ao invés de Zeus. O significado das palavras destacadas, incomuns no vocabulário moderno, foi colocado nas notas.
Hermes ameaça Prometeu (1016-25)
MERCÚRIO
O Pai, antes de tudo,
Dos trovões ao fragor, do raio à chama,
Destruirá este alcantil fragoso.
Sob os escombros sumirá teu corpo,
1020
Estatelado em braços de granito.
Tens de voltar à luz, após volvidos
Longos evos. Então, a águia cruenta,
— Cão volátil de Jove —, em mil pedaços
Há de, voraz, atassalhar-te as carnes.
1025
Qual diário conviva, sem convite,
Fará banquete com teu negro fígado.
O desdém de Prometeu (1043-53)
PROMETEU
(...)
E, pois, que seja sobre mim vibrada
A bipartida, flamejante espira;
1045
Abalem o éter dos trovões o estrondo
E o sibilante urrar dos soltos ventos;
Medonho furacão sacuda a Terra,
Desde a raiz, nos imos fundamentos;
Equóreos escarcéus, mugindo, invadam
1050
Celestes plainos, onde os astros giram;
E Jove, pelo vórtice arrastado
Da rígida, fatal Necessidade,
Arroje o corpo meu no negro Tártaro;
Em vão! Não tem poder de dar-me a morte.
VOCABULÁRIO:
alcantil: rocha escarpada
fragoso: áspero, agreste
evo: período sem fim, eternidade
atassalhar: fazer em pedaços, dilacerar
espira: cada volta da espiral
imo: no âmago, no lugar mais fundo
equóreo: relativo ao alto mar
escarcéu: vagalhão