Cena de caça ao javali e outras figuras / detalhe da tampa
Cena de caça ao javali e outras figuras
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Píxide coríntia de figuras negras, com inscrições. “Mertese” (Grécia)
Pintor de Dodwell
Este vaso, encontrado por um comerciante grego dentro de antigo túmulo
localizado em vilarejo próximo a Corinto, foi vendido ao pintor inglês Edward Dodwell (c. 1777-1832)
em 1805 (Dodwell 1819, p. 196-7). A decoração do corpo se distribui em dois frisos, preenchidos em toda sua extensão por animais e rosetas, característicos do Coríntio Médio (Fig. 0266). A tampa é bem mais interessante, pois contém três grupos de figuras e inscrições no antigo alfabeto coríntio (Fig. 0255), algumas da direita para a esquerda.
O primeiro grupo é constituído por duas esfinges em posição heráldica, separadas por ave que se assemelha ao abutre, sem inscrições. Na descrição dos outros dois grupos, os caracteres arcaicos foram transpostos para o alfabético ático clássico (e.g. 𐅠 = Ι,Ϻ = Σ) e os nomes sem correspondentes no português, simplesmente transcritos.
O segundo grupo, em sentido horário, tem quatro figuras humanas. A primeira delas, marcada por asterisco (*) nas Fig. 0255-6, é do sexo masculino, traz um kerykeion na mão direita, usa uma espécie de túnica com franjas e está identificada pela inscrição ΑΓΑΜΕΜΝΟΝ, ‘Agamêmnon’. O kerykeion identifica mensageiros e arautos e, com certeza, não se trata do homérico rei dos aqueus (Avramidou 2012, p. 67).
A figura seguinte, em sentido anti-horário, é do sexo feminino e tem a mão direita sobre a cabeça de um menino desnudo, impedindo-o (?) de correr; ela é ΑΛΚΑ, ‘Alca’, e ele, ΔΟΡΙΜΑΧΟΣ, ‘Dorímaco’. Nenhum deles é personagem dos mitos conhecidos. A quarta figura, definitivamente feminina, segura um estranho objeto circular na mão esquerda e está identificada como ΣΑΚΙΣ, ‘Sakis’, possivelmente equivalente ao ático Σηκίς, nome frequentemente dado a escravas que cuidam da casa (Amyx 1988, p. 384).
Uma ave (cisne?) separa o terceiro e o quarto grupo, que mostra quatro homens contra um javali, já atingido por três flechas e uma lança. Três caçadores estão de pé, brandindo armas, e um quarto jaz sob o animal. Em sentido horário, são eles: ΑΝΔΡΥΤΑΣ (‘Andritas’), com escudo e lança; ΠΑΚΟΝ (‘Pakon’), com capacete, arco e flecha; ΦΙΛΟΝ (‘Filon’), caído sob o javali (morto?), com uma longa lança na mão direita; e ΘΕΡΣΑΝΔΡΟΣ (‘Tersandro’), que segura uma das presas do animal e desfere um golpe de espada na sua cabeça.
Apenas Tersandro pode ser associado a personagens míticos. Um deles é o filho de Sísifo, antigo rei de Corinto, e o outro, filho de Polinices, participou da expedição dos epígonos contra Tebas e foi morto por Télefo na primeira expedição dos gregos contra Troia. Não há referências, no entanto, à participação de qualquer um deles numa caça ao javali.
A cena pode retratar alguma lenda local, associada a Corinto e a uma caçada ao javali, não registrada nas fontes antigas. Possivelmente o nobre usuário do túmulo onde o vaso foi encontrado orgulhava-se de suas habilidades de caçador...