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Tirésias e Mantó

Tirésias no hades, diante de OdisseuTirésias no hades, diante de Odisseu

O adivinho tebano Tirésias (gr. Τειρεσίας), que participou de diversos mitos importantes ao longo de várias gerações, era filho da ninfa Caricló e, por parte de pai, descendendia de Udeu, um dos cinco espartos.

Ainda rapaz, surpreendeu um casal de serpentes copulando ao passear pelo Monte Cilene (Arcádia), separou-as com seu cajado e foi então transformado em mulher. Viveu assim durante algum tempo e, anos depois (sete anos, Ov. Met. 3.322-38), Tirésias encontrou o mesmo casal de serpentes fazendo a mesma coisa e, ao separá-las, foi novamente transformado em homem.

Devido à incomparável experiência de ter vivido biologicamente como homem e como mulher (Pherecyd. F 92), Tirésias foi consultado por Zeus e Hera em uma de suas disputas. Os deuses discutiam quem tinha maior prazer no ato do amor, o homem ou a mulher, e ele então contou que o prazer da mulher era maior do que o do homem, dando razão a Zeus. Encolerizada pela revelação desse bem guardado segredo feminino, ou simplesmente porque era má perdedora, Hera cegou Tirésias.

Zeus não podia simplesmente desfazer o que outra divindade havia feito... para compensar a cegueira de Tirésias, concedeu-lhe no entanto o dom da profecia e vida tão longa quanto a de sete (Ps.-Hes. F 212) gerações humanas.

Em razão de sua longa vida, as profecias de Tirésias se estendem a diversos episódios cronologicamente distantes: o nascimento de Héracles (Pi. N. 1.65-72, Theoc. 24), o destino de Narciso (Ov. Met. 339-58), a aversão de Penteu ao culto de Dioniso, o problema de Laio e a descoberta de Édipo sobre o pai, a necessidade do sacrifício de Meneceu quando Tebas foi sitiada pelos sete heróis, o fim de Tebas diante dos epígonos.

miniaturaMantó, filha de Tirésias

Tirésias era pai (ou mãe?) de Mantó (gr. Μαντώ), também uma adivinha, e ambos acompanharam o êxodo dos tebanos após a conquista da pólis, levados ou não pelos conquistadores argivos. O adivinho morreu durante o caminho para Delfos, logo depois de beber na fonte Telfusa (Paus. 9.33.1-2; Apollod. Epit. 3.7.3), e foi sepultado nas proximidades. Mantó chegou a Delfos, casou-se, depois fundou um oráculo de Apolo em Claro (Ásia Menor) e teve um filho chamado Mopso, com os mesmos dons (Paus. 7.3.1). Segundo Pausânias (9.11.3), Tirésias teve outra filha, Historis, que ajudou Alcmena no parto de Héracles.

Perséfone permitiu que a sombra de Tirésias mantivesse seus dons proféticos (Od. 10.490-5) após a morte, e assim Odisseu pôde consultá-lo a respeito de sua viagem de volta a Ítaca.

As principais são a Odisseia (10.490-5); 11.21-151), a Melampodia (Ps.-Hes. F 211-4), Ferécides e Calímaco. No Pseudo-Apolodoro, a maior parte das informações está em 3.7.3 e, em Ovídio, em 3.316-527; das outras fontes tardias, destacam-se Flegon, Pausânias e escoliastas diversos.

Variantes

Para o Pseudo-Apolodoro (Epit. 3.6.7), Tirésias ficou cego por ter revelado segredos dos deuses. Segundo Ferécides (FGrH 3 F92) e Calímaco (Lav. Pall. 57-133), ele acidentalmente viu Atena nua, enquanto a deusa e a mãe dele, Caricló, se banhavam e, por isso, a deusa o cegou. Dada sua amizade por Caricló, Atena concedeu a Tirésias a capacidade de entender as aves, visão profética, um cajado que o conduzia como se não fosse cego, vida longa e a retenção de suas faculdades mesmo depois de morto.

Um dos escoliastas da Odisseia (Σ Od. 10.494), Tzetzes (ad Lyc. 683) e Nicandro de Colofon (Ant. Lib. 17) contam que Tirésias golpeou ou matou a serpente fêmea, e foi transformado em mulher; anos depois, ao golpear / matar a serpente macho, voltou a ser homem. Flegon[1] (FGrH 257 F36 4), baseado em fontes mais antigas, diz que Apolo contou a Tirésias como recuperar a forma masculina. Eustácio (ad Hom. Od. 10.492) e Tzetzes dizem que as transformações ocorreram no Monte Citéron (Beócia).

De acordo com Eustácio (ad Hom. Od. 10.494), Sóstrato[2] compôs um poema elegíaco intitulado Tirésias, no qual enfatiza muito a natureza bissexual do adivinho. Nessa versão, ele teria nascido mulher e sofrido seis mudanças de sexo, tornando-se finalmente um ser praticamente assexuado (Michalopoulos, 2012, p. 231).

Iconografia e culto

Quase sempre representado como homem idoso e barbado, Tirésias aparece em poucas obras de arte do século -V em diante, notadamente em vasos; ver e.g. a [Ilum. 1170] e o cálice-cratera atribuído ao Pintor de Darius (Boston 1989.100, c. -340/-330), que também mostra sua filha Mantó, nos links externos. Pelo menos uma das moedas cunhadas na Tessália durante o Período Helenístico traz a efígie de Mantó.

Havia um santuário (ou oráculo) de Tirésias perto de seu túmulo, vinculado a Apolo (Str. 9.2.27 e 36), sobre o qual quase nada se sabe.

Influências

As tragédias gregas refletem a participação de Tirésias nos mitos, tanto em Ésquilo (Invocadores de Almas, F 274-5), quanto em Sófocles (Édipo Rei, Antígona) e em Eurípides (Fenícias, Bacantes e talvez Alcmena, F 87b-104). É possível que tenha aparecido também nas tragédias fragmentárias Édipo Rei de Ésquilo e Édipo Rei e Antígone de Eurípides, mas não há evidências nos fragmentos conhecidos. Ele aparece também no diálogo Mênon, de Platão, no diálogo satírico Menipo, de Luciano de Samósata, e em poemas de Calímaco (O Banho de Palas) e de Teócrito (O pequeno Héracles).

Após a Antiguidade, várias obras foram inspiradas pelo mito de Tirésias: poemas (Bernat Metge, 1399; Alfred Tennyson, 1885; T.S. Eliot, 1922), dramas surrealistas (Les Mamelles de Tirésias, Guillaume Apollinaire, 1917), pinturas (e.g. Pietro della Vecchia, Giulio Carpioni e René-Antoine Houasse, sæc. XVII; Henry Singleton, 1792; Henry Fuseli, 1780/1785), balés (Constant Lambert, 1950) e histórias em quadrinhos (Christian Rossi & Serge Le Tendre, 2001).

Tirésias também é personagem de numerosas obras baseadas nos poemas gregos antigos, em especial o Édipo Rei sofocliano. Há versões trágicas (e.g. Œdipe, de André Gide, 1930; La Machine infernale, de Jean Cocteau, 1932), operísticas (Œdipus Rex, de Igor Stravinski, 1927; Œdipe, de Georges Enesco, 1931; Les Mamelles de Tirésias, i.e., ‘As tetas de Tirésias’, de Francis Poulenc, 1947), e cinematográficas (Œdipe roi, de Pier Paolo Pasolini, 1967; Tiresia, de Bertrand Bonello, 2003). Registrem-se, ainda, o filme grego Αντιγόνη, de Yórgos Tzavéllas (1961), baseado na Antígona de Sófocles, e uma das cenas do filme francês Métamorphoses, de Christophe Honoré (2014), baseado na versão latina de Ovídio.

Essas obras modernas celebram os dons divinatórios de Tirésias e, muitas vezes, a dualidade masculino / feminino e a bissexualidade que a leitura de Sóstrato dá a entender. Essas não são, porém, características presentes nas fontes gregas antigas.

A filha de Tirésias, Mantó, é um dos figurantes da tragédia Fenícias, de Eurípides, e personagem da tragédia Édipo, de Sêneca (sæc. I), da Tebaida (4.443-645), de Estácio (80/92, e do Inferno (Canto 20), de Dante (1308/1320), no qual Virgílio afirma que o nome de sua cidade, Mântua, se deve a ela. Bocaccio dedicou-lhe o capítulo 30 de de sua obra De mulieribus claris, ‘Mulheres famosas’ (1374).