O símbolo da Medicina

texto especial
Curto ensaio originalmente desenvolvido para o site de meu consultório médico em 2002 e retirado em 2009, em meio a uma de suas diversas reconfigurações.

O bastão com uma única serpente enlaçada, o verdadeiro símbolo da medicina, tem origem grega: é um dos atributos de Asclépio, deus da Medicina, o Esculápio dos romanos.

miniaturaEmblema da WHO com o símbolo de Asclép

Antes de Asclépio, o bastão com a serpente era um dos atributos de Apolo, pai de Asclépio [Ilum. 0285], na sua função de provocador e de curador de doenças (Ilíada 1.43-52;455-6).

Em nossos dias, o símbolo de Asclépio pode ser visto no emblemas e no logotipo da WHO (World Health Organization, a Organização Mundial de Saúde, [Ilum. 1119]) e no logotipo de entidades médicas com um mínimo de conhecimento da história da Medicina.

miniaturaAsclépio e seu
bastão, sæc. II

Diversas organizações ligadas à Medicina adotam em seus emblemas, ao invés do bastão de Asclépio, o bastão de Hermes, com duas serpentes enlaçadas em bastão decorado com duas asas (o κηρύκειον, lat. caduceus, ‘caduceu’. Hermes, o Mercúrio dos romanos, é um dos mensageiros dos deuses e também deus do comércio e dos ladrões. Entre os mortais, em tempos remotos, o caduceu simbolizava o status dos arautos (Heródoto 9.100, Tucídides 1.53), ancestrais gregos dos modernos porta-vozes.

Bem antes disso, no final do III Milênio, as duas serpentes enlaçadas representavam uma deidade menor da Mesopotâmia, Ningishzida, associada ao prolongamento da vida.

miniaturaRepresentação de
Ningishzida, c. -2150

Espero, ab imo pectore, que se trate de simples desconhecimento.... De qualquer modo, a disseminação do caduceu de Hermes como representação da arte da Medicina é uma verdadeira heresia (Rezende 1999) e se deve a uma série de distorções históricas, intencionais ou não.

Durante a Idade Média, o bastão com as duas serpentes era largamente utilizado como símbolo por impressores, mercadores, associações comerciais e até por sociedades secretas. O bastão acabou sendo associado também à prática da alquimia devido às ligações entre a alquimia e Hermes Trimegisto, divindade esotérica que reunia Thoth, deus egípcio do conhecimento, e o deus grego Hermes em uma só entidade.

miniaturaHermes e bastão com
duas serpentes

A ligação entre os médicos medievais e a alquimia fez o resto: na Inglaterra de Henrique VIII (1491/1547) o caduceu de Hermes se tornou o emblema da classe médica e passou a ser estampado até nos livros de medicina. O bastão de Hermes foi adotado como símbolo do corpo médico do Exército americano no início do século XIX e, um pouco mais tarde, também pela Marinha . A difusão mundial da cultura americana após a I Guerra Mundial fez o resto...

Nas últimas décadas, no entanto, diversas instituições e associações americanas de prestígio utilizam o bastão de Asclépio em seus emblemas; a Força Aérea, a Associação Médica, revistas médicas e várias universidades. No Brasil, a Associação Paulista de Medicina, a Academia Brasileira de Medicina Militar e a Escola Paulista de Medicina adotam formas estilizadas do bastão.

símbolo da medicina, Grécia Antiga
Fig. 0050

Naturalmente, a Sociedade Brasileira de História da Medicina utiliza o símbolo de Asclépio...

Nos Estados Unidos o bastão de Hermes é usado, notadamente, pelas empresas mercantilistas que vendem serviços médicos e planos de saúde, como por exemplo a Golden Cross.

Nesse caso, pelo menos, não é um despropósito.