Homero / Ilíada 22.311-66

Il. 22.311-66
tradução / grego antigo

A passagem selecionada descreve a morte de Heitor, o maior dos heróis troianos.

A tradução é de Guida Nedda Barata Parreira Horta, antiga professora titular de Língua e Literatura Grega da UFRJ (Horta, 1983, p. 109-10). Fiz apenas um leve ajuste na distribuição de palavras entre os versos.

Assim lançou-se Heitor, brandindo o gládio ponteagudo, e se atirou também Aquiles, o coração transbordante de rancor selvagem, pondo à frente do peito o belo escudo trabalhado, enquanto oscilava, refulgente, o capacete 315 de quatro faces, revolto o áureo penacho que Hefesto dispusera, em quantidade, em torno da cimeira. Tal como a estrela vespertina avança entre outros astros no seio profundo da noite, Vésper, a mais bela de quantas há no céu, assim luzia a acerada lança que Aquiles brandia em sua dextra, 320 meditando o mal para o divino Heitor e perquirindo em sua bela pele o ponto em que mais vulnerável deveria ser. Ora, todo o seu corpo estava protegido pela armadura, as belas armas de bronze que, ao vigoroso Pátroclo, Heitor arrebatara ao matá-lo. Visível apenas era o ponto em que a clavícula separa pescoço e espáduas, 325 a garganta, por onde mais depressa se esvai a vida. Foi lá que, impaciente, o divino Aquiles enterrou a lança e a ponta atravessou de lado a lado a carne tenra. Mas o pesado bronze não atingiu a traqueia, permitindo a Heitor falar e responder alguma coisa. 330 E enquanto rola na poeira o contendor, Aquiles, o divino, diz triunfante: "Heitor, ao despojares Pátroclo crias-te a salvo e o proclamaste, esquecido de mim, estando eu tão longe. Pobre tolo! Pois afastado, um vingador muito melhor que tu, junto às naus bojudas, postava-se atrás; era bem eu 335 que agora vergo-te os joelhos e, em breve, os cães e as aves virão estraçalhar-te, enquanto a ele os Aqueus renderão honras fúnebres." Desfalecente, Heitor, o de capacete reluzente, retrucou-lhe: "Eu te suplico, por tua alma, por teus joelhos, por teus pais, não permitas que, junto às naus bojudas dos Aqueus, me estraçalhem os cães, 340 Mas aceita, em abundância, ouro e bronze, que te ofertarão meu pai e minha venerável mãe; meu corpo, devolve-o ao lar, para que Troianos e esposas de Troianos me destinem, estando morto, às chamas da fogueira." Então Aquiles, o de pés rápidos, olhando-o obliquamente, retrucou: 345 "A mim, cachorro, não supliques, nem por meus joelhos, nem por meus pais. Tanto minha cólera e meu ardor me levariam a te despedaçar para comer-te cru, tais coisas me fizeste, quanto é certo que ninguém espantaria os cães de tua cabeça, ainda que trazendo dez ou vinte vezes 350 o valor de teu resgate, ou mesmo prometendo muito mais, fosse até por insistência de Príamo, o Dardânida, a ofertar teu peso em ouro; de modo algum tua nobre mãe te pousará num leito, para chorar a quem gerou, mas sim os cães e as aves te hão de devorar o corpo inteiro." 355 Então, já moribundo, responde Heitor, o de capacete cintilante: "Ah sim; basta-me ver-te e conhecer-te, e não deveria tentar persuadir-te, pois há um coração de ferro no teu peito. Mas tem cuidado agora a fim de que eu não me torne junto aos deuses motivo de cólera contra ti, no dia em que Páris e Febo-Apolo, 360 por mais bravo que sejas, te perderão, junto às Portas-Ceias". Nem bem falara e o fim mortal já o envolvia: sua alma evolando-se dos membros partia para o Hades, deplorando-lhe a sorte, abandonando-lhe a força viril e a juventude. Já estava morto quando Aquiles, o divino, assim falou: 365 "Morre! A mim virá a funesta divindade só quando assim determinarem Zeus e os outros deuses todos."