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A divina medicina

PeôniaPeônia

De acordo com os gregos, as doenças e sua cura eram associadas a divindades e suas interações com os seres humanos.

Deuses e deusas da doença

Ao contar o mito de Pandora, Hesíodo relata que as doenças assolam a humanidade por si mesmas, conforme o desejo de Zeus (Trabalhos e Dias 100-4); já os poemas homéricos colocam a relação entre deuses e doença de uma forma mais pessoal e direta.

miniaturaAs flechas de Apolo e Ártemis, -460/-450

Zeus, o mais poderoso dos deuses, é capaz de causar doença (Odisseia 10.407-11); Ártemis e Apolo, com suas flechas, provocam a morte súbita em mulheres e homens, respectivamente (Ilíada 24.758-9 e Odisseia 11.171-3), como bem demonstra a lenda de Níobe.

Deuses e deusas da cura

Mas o episódio que mostra de forma mais característica a relação entre o divino e e a doença é o episódio da praga que dizima o exército aqueu no último ano da Guerra de Troia, contada no primeiro livro da Ilíada.

Consultado um adivinho, descobre-se que a causa da praga é a ira de Apolo, motivada pelo tratamento desrespeitoso dado a um de seus sacerdotes. Depois que o deus foi aplacado, a doença efetivamente desapareceu (Ilíada 1.35-486).

Note-se que, se a causa da doença era a cólera de um deus, o diagnóstico dependia naturalmente de um adivinho, intérprete por excelência dos desígnios divinos. Desse ponto de vista o tratamento, que consistia em oferecer sacrifícios e entoar hinos em louvor à divindade, prescindia dos médicos.

E ficavam doentes os deuses? A resposta é “sim”, embora pareça complicado para nós. É preciso lembrar que, para os gregos, os deuses assemelhavam-se em quase tudo aos seres humanos, embora imortais e dotados de poderes imensos.

O poeta da Ilíada nos conta, por exemplo, que Hades havia sido ferido, certa vez, por Héracles (Ilíada 5, 395-400) e que Ares e Afrodite foram atingidos por Diomedes durante as lutas entre gregos e troianos (Ilíada 5.335-43). O próprio Zeus, diz o Pseudo-Apolodoro (1.6.3), foi ferido pelo monstruoso Tífon durante uma luta.

Os deuses tinham poderes diretos de cura. Dione, por exemplo, curou o ferimento infligido a Afrodite (Il. 5.416-7) e o troiano Glauco, ferido por uma flecha, foi curado por Apolo em resposta a uma prece (Ilíada 16.510-29). Em certas situações, no entanto, os deuses doentes precisavam recorrer ao deus Pean.

O médico dos deuses

Pean (gr. Παιάν), antiquíssima divindade da cura cujo nome aparece já em uma tabuinha de Cnossos (KN V 52, ver Addenda), escrita em linear B por volta de -1400, é apresentado pelo poeta da Ilíada como o “médico dos deuses”. Ele atuava, aparentemente, sem usar poderes sobrenaturais, aplicando plantas medicinais (Il. 5.900-1). Segundo a tradição, uma dessas plantas era a peônia, assim chamada em sua homenagem.

No Período Arcaico, Pean foi assimilado a Apolo, que passou a ser invocado também sob o epíteto Iatrós, ‘médico’. Seu nome transparece igualmente em um dos hinos — o peã — entoado em homenagem a Apolo.

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