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Mársias e Hiagnis

Os gregos associavam a invenção do aulo à Ásia Menor, mais exatamente à Frígia ou à Mísia, e atribuíam o evento a Hiagnis, a Mársias ou a Olimpo.

Míticos auletas

Tudo gira, aparentemente, em torno no mítico Mársias, e [Plutarco] (Da música, 1132e-33f) afirma que Hiagnis era seu pai e Olimpo, seu discípulo. Desse trio, apenas Olimpo pode ter sido personagem histórico.

De Hiagnis (gr. Ὕαγνις) só conhecemos, praticamente, o nome e sua associação com o aulo e a Frígia. Ele foi, segundo algumas tradições, o primeiro a dominar a aulética, a arte de dominar o aulo.

Mársias (gr. Μαρσύας), filho de Hiagnis, às vezes é considerado um sátiro, às vezes um simples camponês da Frígia, e devoto da deusa Cibele[1]. Seu nome está associado a duas lendas, a da invenção do aulo e à disputa musical com Apolo.

Hiagnis: [Plutarco], Da música 1132f-1135f; Aristoxeno F 78. Mársias: Heródoto (7.26); [Apolodoro] 1.4.2; Diodoro Sículo (3.59); Pausânias 2.22.9; [Plutarco], Da música 1132f-1135f; Filóstrato, o Jovem, Imagens 865.5.

A invenção do aulo

Segundo o primeiro mito, foi a deusa Atena quem, na realidade, fabricou o primeiro aulo, unindo dois ossos ocos de veado. Ao soprá-lo, porém, viu seu reflexo na água de um rio, desgostou-se com o aspecto do rosto e de imediato jogou fora o instrumento.

miniaturaMársias e Atena

Posteriomente, Mársias encontrou o aulo e, encantado com os sons que ele produzia, tornou-se um grande virtuose. Tomado pela hýbris[2], desafiou Apolo e sua lira (ou cítara).

As musas julgaram a disputa e concederam a vitória a Apolo, que então pendurou Mársias em uma árvore e depois esfolou-o vivo, para castigá-lo pela pretensão.

Esse mito reflete, possivelmente, a pretensa superioridade da arte citarédica, mais harmônica e associada ao culto de Apolo e à Grécia, sobre a aulética, mais agitada e associada à Frígia e aos rituais frenéticos de Cibele.

Outra possível interpretação: Mársias era uma antiga divindade ligada à música, suplantada pelos novos deuses indo-europeus, aqui representados por Apolo. Ou era, talvez, associado a algum culto de Apolo na Frígia.

Recepção

Iconografia

Mársias era ocasionalmente representado em atitude de surpresa, ao encontrar o aulo abandonado por Atena, ou sentado, soprando o instrumento.

O aulo encontrado por ele foi tema de uma pintura de Zêuxis, perdida, e de um grupo de bronze de Míron, que chegou até nós através de cópias romanas de mármore. Ver [Ilum. 0308].

miniaturaO suplício de Mársias

Mársias pendurado e esfolado era tema mostrado em vasos do século IV em diante e muito usado pelos escultores, notadamente durante o Período Helenístico. Em Roma, havia uma dessas esculturas no forum (Horácio, Sátiras 1.6.120), cópia de original de Míron (c. 450), talvez para desencorajar os que pretendiam atentar contra a harmonia política do estado romano. Curiosamente, era bem ali que as cortesãs romanas costumavam ficar. (Plínio, o Velho, História Natural 21.3).

Literatura

Xenofonte (Anábase 1.2.8-9) afirmou que a disputa ocorreu na Frígia, em Celenos, onde nasce um rio chamado Mársias, que deságua posteriormente no rio Meandro. Segundo Heródoto (7.26), a pele esfolada de Mársias ainda podia ser vista em uma gruta nos tempos históricos.

Na literatura moderna, a disputa entre Apolo e Mársias inspirou poemas de James Merrill (1959), Zbigniew Herbert (1924/1998), Nadine Sabra Meyer (2002) e também influenciou peça teatral de Tony Harrison (The Trackers of Oxyrhynchus, 1988).