Sófocles / Filoctetes

Φιλοκτήτης Philoctetes S. Ph. -409
Filoctetes em LemnosFiloctetes em Lemnos

Filoctetes (gr. Φιλοκτήτης) é uma das poucas tragédias sofoclianas cuja data conhecemos com precisão. Foi apresentada pela primeira vez em -409 nas Dionísias Urbanas de Atenas, quando Sófocles tinha cerca de 87 anos, e ganhou o primeiro prêmio.

Note-se que nessa peça Sófocles recorreu ao deus ex machina, recurso frequentemente utilizado por seu rival Eurípides, e que Filoctetes é a única das tragédias gregas conhecidas sem personagens femininos.

Filoctetes chefiou um dos contingentes tessalianos que participaram da Guerra de Troia, o da Magnésia. Arqueiro excelente, consta que era o detentor do arco e das flechas de Héracles, morto há apenas uma geração. Seu mito está inserido na ida dos aqueus para Troia, quando é abandonado em Lemnos devido a uma fétida ferida no pé, e na etapa final da guerra, quando vão buscá-lo para ajudar na conquista final da cidadela.

Hipótese

Na versão sofocliana do mito, o ferido e abandonado Filoctetes vive em Lemnos como um selvagem, sobrevivendo da caça e abrigado em uma gruta, em meio a violentas crises de dor. Odisseu e Neoptólemo chegam à ilha e o astucioso Odisseu logo propõe um engano para obter o arco de Héracles e o próprio Filoctetes. Neoptólemo concorda e ganha a confiança de Filoctetes, mas no transcorrer da ação tende para o lado do sofredor mas inflexível herói, que se recusa a voltar e favorecer os atridas e Odisseu.

O jovem Neoptólemo finalmente revela a verdade a Filoctetes e enfrenta Odisseu. Diante do impasse, Héracles surge ex machina e determina que Filoctetes e seu arco sigam para Troia. Filoctetes, respeitosamente, obedece.

Dramatis personae

Odisseu rei de Ítaca, o mais astucioso dos heróis gregos Neoptólemo jovem filho do falecido Aquiles, neto de Peleu e Tétis Coro marinheiros do navio de Neoptólemo Filoctetes filho de Peas, um dos argonautas, ex-chefe dos guerreiros da Magnésia Mercador um dos companheiros de Odisseu, disfarçado Héracles filho de Zeus e de Alcmena, herói divinizado, deus ex machina

Mise en Scène

A cena se passa na ilha de Lemnos, no Egeu Setentrional, diante de uma gruta com duas entradas. O protagonista fazia o papel de Filoctetes; o deuteragonista, o de Neoptólemo; e o tritagonista, o de Odisseu, do falso mercador e de Héracles.

Resumo

A tragédia tem 1471 versos e ocupa cerca de 55 páginas da edição de Dain (1960), na qual se baseia o presente resumo.

Os acontecimentos datam de pouco antes da queda de Troia, quando Lemnos era, segundo o poeta, desabitada.

Ao desembarcar na ilha, Odisseu explica ao jovem e inexperiente Neoptólemo que ele deve se aproximar de Filoctetes para se apoderar do arco e das flechas, pois Odisseu não é benquisto pelo herói abandonado. Neoptólemo, a princípio relutante, concorda com a ação contrária ao seu temperamento (prólogo, 1-134).

O coro e Neoptólemo examinam a caverna que abriga Filoctetes e lamentam sua sorte, sozinho e doente na ilha há longos anos. O coro ouve os gritos de Filoctetes nas proximidades (párodo, 135-218). Neoptólemo se apresenta, e Filoctetes relata sua história; Neoptólemo finge estar retornando de Troia após se indispor com os atridas[1] e Odisseu.

Filoctetes suplica que o leve consigo e o jovem concorda, mas aproxima-se o Mercador e diz que duas naus estão vindo de Troia. A primeira, para obrigar Neoptólemo a voltar, e a outra para buscar Filoctetes a qualquer custo. Neoptólemo pede para ver o arco e as flechas de Héracles, e depois ambos entram na caverna (1º episódio, 219-675). O coro lamenta o imerecido sofrimento de Filoctetes[2], e admira sua capacidade de sobrevivência (1º estásimo, 676-729).

Ao sair da gruta, Filoctetes sofre uma terrível crise de dor, pede a Neoptólemo que segure as armas de Héracles, e desmaia (2º episódio, 730-826). O coro pergunta a Neoptólemo se ele aproveitará a ocasião para levar as armas, mas o jovem retruca que segundo a profecia as armas e também Filoctetes são necessários (2º estásimo, 827-864).

Ao acordar, Filoctetes se alegra ao ver o coro, Neoptólemo e as armas à sua espera. Neoptólemo revela o embuste, e o herói implora pelas armas. Odisseu então aparece e avisa que tem de levar as armas e Filoctetes a Troia, se necessário com o uso da força. Filoctetes recusa-se categoricamente a voltar, e Odisseu decide então levar somente as armas. Neoptólemo pede ao coro que faça companhia a Filoctetes durante os preparativos para a viagem (3º episódio, 865-1080).

Filoctetes dialoga com o coro e lamenta a vã esperança que teve, assim como a perda das armas, e pede uma espada para se matar (3º estásimo, 1081-1217). Arrependido, Neoptólemo volta para devolver as armas a Filoctetes. Odisseu o segue de longe, avisa que vai atrair a cólera de todos os aqueus, ameaça-o, mas sem resultado.

Quando Odisseu chega à caverna, Filoctetes já recebera suas armas e ameaça flechá-lo; Neoptólemo impede e tenta convencê-lo, mas em vão. Héracles (deus ex machina) aparece nesse momento e convence Filoctetes a auxiliar os aqueus com as armas que ele lhe havia dado (êxodo, 1218-1471).

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

Os melhores manuscritos são o Mediceus (Laurentianus 32.9, sæc. X), da Biblioteca Laurenciana de Florença, e o Parisinus 2712 (sæc. XIII), da Biblioteca Nacional de Paris. Editio princeps: a Aldina, de 1502. Das edições modernas da tragédia isolada, as mais importantes são as de Kamerbeek (1946), Taccone (1948), Webster (1970) e Schein (2013).

A mais antiga tradução para o português é a do Padre Eusébio Dias Palmeira, de 1973, seguida pela de José Ribeiro Ferreira, de 1988. Fernando Brandão dos Santos preparou uma tradução em 1989 para sua Dissertação de Mestrado, finalmente publicada em 2008. A de Josiane Martinez é de 2003 e a de Trajano Vieira, de 2009.