Ésquilo / Prometeu Acorrentado

Προμηθεύς Δεσμώτης Prometheus Vinctus Aesch. Pr.-462 a -459
Atlas e PrometeuAtlas e Prometeu

A tragédia Prometeu Acorrentado, atribuída a Ésquilo na Antiguidade, tem 1093 versos e foi representada imediatamente antes da tragédia Prometeu Libertado, da qual restam apenas fragmentos.

Não sabemos se as duas tragédias faziam parte de uma trilogia ou de uma tetralogia, e nem temos certeza se um drama satírico fez parte da apresentação.

A atribuição desta tragédia a Ésquilo tem sido contestada por vários eruditos desde o século XIX e a data de composição é igualmente incerta (Taplin 1977; Sommerstein 2008). Os que defendem a autoria de Ésquilo a situam pouco antes da Oresteia, entre -462 e -459; os demais acreditam que a peça foi composta provavelmente anos depois da morte do poeta, entre -450 e -420. O debate é altamente complexo e está nas mãos de especialistas como Griffith, West, Taplin e Hubbard. Por enquanto, vou me referir ao autor dessa tragédia como [Ésquilo].

A despeito dessas questões, desde a Antiguidade esta é indubitavelmente uma das mais conhecidas tragédias de Ésquilo e talvez um dos mais conhecidos e populares dramas de toda a literatura grega.

Argumento

Zeus, rei dos deuses e dos homens, acaba de assumir o poder após a titanomaquia. Soberano despótico, manda acorrentar em um rochedo Prometeu, seu antigo aliado, culpado de muitos “crimes” em favor dos mortais: roubar o fogo dos deuses para dá-lo aos homens é apenas o mais grave dentre eles.

Prometeu é, porém, guardião de importante segredo que ameaça o reinado de Zeus. Diante de sua recusa em revelá-lo, é condenado a um castigo ainda mais severo.

Personagens do drama

Todos os personagens são divinos: a tragédia é uma teomaquia, i.e., uma disputa entre os próprios deuses. Há um intenso conflito de personalidade entre Prometeu e Zeus, este ausente do palco.

Crato filho do titã Palas e de Estige, personificação do poder de Zeus Hefesto deus do fogo e dos metais; filho de Zeus, irmão de Hermes Prometeu filho do titã Jápeto, sobrinho de Oceano, primo de Zeus Coro jovens oceânides, filhas de Oceano e primas de Prometeu Oceano personificação das águas primevas, tio de Prometeu, pai das oceânides Hermes mensageiro dos deuses, filho de Zeus, irmão de Hefesto

Figurante: Bias, irmão de Crato.

Mise en scène

A cena se passa na Cítia, situada por Heródoto a nordeste do Mar Negro. Segundo um antigo comentador da peça, Prometeu havia sido aprisionado por Zeus há mais de 30.000 anos...

O cenário e a encenação original desta peça tem sido fonte de grandes controvérsias, a maioria ainda por resolver: a posição do rochedo onde Prometeu estava acorrentado, o local em que ficava o coro, a carruagem que trazia as oceânides à orquestra, um mecanismo que representava o animal que Oceano cavalgava ao chegar, o uso de um manequim para representar Prometeu na cena inicial...

Acredita-se que o protagonista representava Prometeu e ficava o tempo todo em cena; o deuteragonista representava os demais papéis, com a exceção do de Crato, que era certamente representado por um terceiro ator, o tritagonista. O Prometeu Acorrentado é a mais antiga tragédia conhecida com a participação de três atores.

Resumo

A tragédia tem 1093 versos, distribuídos em 39 páginas da edição de Mazon (1921), na qual se baseia este resumo.

Por ordem de Zeus, Hefesto prende, contrariado, Prometeu a uma rocha na inóspita Cítia; Crato supervisiona seu trabalho. Prometeu lamenta-se, mas diz que previu tudo, sabe o que irá acontecer no futuro e que Zeus ainda precisará dele (Prólogo, 1-126). O Coro chega e lamenta a sorte de Prometeu, que volta a dizer que no futuro Zeus dependerá de seu auxílio (Párodo, 127-192).

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Fig. 0190. Crato e Bias seguram os braços de Prometeu enquanto Hefesto o prende.

Prometeu relata ao Corifeu a luta de Zeus contra os titãs, como evitou que a humanidade fosse destruída por ele e os benefícios que obteve para os mortais. Oceano vem visitá-lo, exorta-o a dirigir-se com humildade a Zeus e diz que tentará interceder em seu favor, mas Prometeu o dissuade (1º Episódio, 193-396).

O Coro lamenta novamente o destino de Prometeu (1º Estásimo, 397-435); ele conta que todas as artes vieram aos homens através dele: a construção de casas e navios, a domesticação de animais, a escrita, os números, os remédios, a adivinhação, etc. (2º Episódio, 436-525). O Coro diz que é perigoso contrariar Zeus, e recorda as núpcias de Prometeu (2º Estásimo, 526-561).

Chega a errante , na forma de uma novilha, perseguida desde Argos pela incessante picada de um inseto enviado pela ciumenta Hera. Ela conta a Prometeu e ao Coro suas desventuras, e Prometeu revela as coisas que irão acontecer-lhe até chegar ao seu destino, o Egito, e que um de seus descendentes o libertará um dia. foge, aguilhoada pela picada do inseto (3º Episódio, 562-886).

O Coro canta que 'o bem supremo é a mulher se casar segundo a própria classe', e esperam que Zeus nunca olhe para elas (3º Estásimo, 887-906).

Prometeu revela finalmente ao Corifeu que o filho gerado por Zeus em um casamento próximo o destronará, e que somente ele sabe como impedí-lo. Hermes aparece e interroga-o, mas Prometeu orgulhosamente recusa-se a revelar qualquer coisa. Hermes avisa que Zeus lhe dará novos castigos: um trovão o lançará no fundo da terra e, quando voltar à luz, uma águia virá diariamente comer-lhe o fígado. Prometeu recusa-se novamente, e diz que já ouve o trovão de Zeus aproximar-se (Êxodo, 907-1093).

Passagens selecionadas

Manuscritos, edições e traduções

A fonte mais importante dessa tragédia, uma das três da tríade bizantina, é o manuscrito Laurentianus 32.9 (c. 1000) da Biblioteca Laurenciana de Florença, conhecido por Mediceus. A edição princeps é a Aldina, publicada em Veneza em 1518.

Edições modernas isoladas: Groeneboom (1928), Thomson (1932), Rapisarda (1936), Longo (1959), Griffith (1982) e Podlecki (2005).

Dada sua popularidade, esta é uma das tragédias gregas mais traduzidas para o português. A mais antiga tradução de todas é a de D. Pedro II, versificada pelo Barão de Paranapiacaba (1885 e 1907); seguiram-na a de Bazílio Telles (1914) e a de Jaime Bruna (1964). As mais recentes são as de Malhadas e Moura Neves (1977), Melro (1984), Torrano (1985 e 2009), Sotto Mayor (1992) e Vieira (1997).